Petista. É como o PSDB de Minas quis me chamar nos sete vídeos-resposta que produziram em resposta ao meu documentário Gagged in Brazil, ou Amordaçados no Brasil [com legendas em português, no YouTube], que trata das relações entre a imprensa e o governo Aécio Neves em Minas Gerais que produzi para a Current TV no Reino Unido [ver aqui].
O documentário que produzi para a TV de Al Gore tem como ponto de partida um artigo sobre Aécio Neves publicado no Le Monde em 2006, do qual constavam elogios e criticas, e no entanto a divulgação do artigo em Minas só fez alusão aos elogios; deixou as criticas de lado, entre elas a menção ao documentário Liberdade, essa palavra, onde jornalistas mineiros narram suas demissões de veículos do estado.
Eu que não sou jornalista, mas desde minha vida ao Reino Unido para estudar, em 2004, tive a oportunidade ter contato com vários jornalistas de diversas nacionalidades, inclusive brasileiros, mineiros também. Os relatos e histórias desses jornalistas sobre o que se passa dentro das redações dos jornais me surpreendeu.
E foi exatamente por não ser jornalista – e não ter a experiência do convívio diário das redações – que aquelas historias me impressionaram. Para quem consome o que é veiculado na mídia, há buma sensação de que as pessoas por trás daquilo compreendem a responsabilidade que esperamos delas. E normalmente elas têm essa noção, mas seus patrões não.
Somos feitos de bobo. Eu e uma legião de supostos cidadãos bem informados. Gagged in Brazil foi o resultado dessa indignação. Foquei em Minas Gerais por ser mineiro, pela facilidade de obter fontes e porque, como minhas fontes mesmo me relataram, ‘essa ser uma situação descarada’. Os indícios e fatos eram claros e não haveria muita dificuldade em coletar dados. O filme foi o último de uma série de pods (documentários de curta duração) produzidos para a Current TV, para quem produzi mais de uma dezena de outros filmes, alguns deles premiados.
O funcionamento e a lógica
E por que diabos haveria a Current TV de Al Gore e Joel Hyatt de se interessar em produzir um filme sobre liberdade de imprensa no Brasil? E em Minas Gerais?
Uma das razões bde Gore e Hyatt para criarem o canal foi democratizar a televisão. Al Gore se sentiu prejudicado nas eleições à presidência dos Estados Unidos quando perdeu para George W. Bush, e percebeu, antes da Guerra do Iraque, que a mídia claramente tentava influenciar a opinião publica norte-americana a favor da guerra. O resultado de sua indignação foi a criação da Current TV, que hoje alcança os EUA, Reino Unido e Itália. A rede abrange tudo que diz respeito a jovens adultos – política, moda, sexo, religião, economia, música – e trata de temas e assuntos que estão fora da pauta da grande mídia. Meu filme se encaixava na proposta do canal.
Gagged estreou na TV e como todo o conteúdo da Current o filme estava também no website do canal. Enviei o link para alguns contatos de minha lista de e-mails e, em cerca duas semanas um conhecido já o havia legendado e feito o upload para o YouTube. Com uma versão em português na rede, enviei um outro e-mail para minha lista de contatos no Brasil. O resultado em pouco mais de um mês foram mais de 50 mil pessoas assistindo ao filme, alem de mais 2 mil referências no Google e os sete vídeos-resposta produzidos pelo PSDB de Minas Gerais.
Algumas coisas me surpreenderam com a repercussão desse vídeo. Primeiro, por poder testemunhar a organicidade da rede e seu poder. Várias pessoas, inclusive algumas das bminhas fontes, relatavam que recebiam e-mails com o link do vídeo no YouTube, não uma ou duas, mas três ou quatro vezes. Pude observar a versão em português no YouTube recebendo uma média de 1 mil visitas por dia, e a curiosidade em ‘googlar’ o assunto também me surpreendeu ao notar o número de referências crescendo todos os dias. A outra surpresa foi em perceber a reação do governo de Minas Gerais e do PSDB com seus vídeos-respostas e a completa falta de preparo para responder a um documentário.
Em meu documentário não estou imputando crime a ninguém. Explico bo funcionamento e a lógica de uma política de comunicação e das relações entre poder e mídia. Uma lógica que funciona dentro da lei sim, mas, frente às expectativas do papel que a mídia deve exercer, soa ridículo, absurdo além de antiético.
Coronéis eletrônicos
O PSDB me acusa de partidarismo e de manipular dados para levar a uma conclusão que não existe. Acusa-me bde não adotar princípios jornalísticos. E chega ao absurdo de insinuar que o filme não tem tanta importância, pois eu sou mineiro, e não inglês – bcomo se o governo de Minas tivesse que prestar contas apenas a ingleses, e não a seus próprios cidadãos e contribuintes.
É risível negar que os fatos narrados no documentário existam e atribuir a mim uma suposta ‘manipulação dos dados’ com fins partidários. Qualquer indivíduo bum pouco menos ingênuo vê que não há bnada de fantasioso em interesses comerciais e políticos ultrapassarem as barreiras jornalísticas de veículos ao ponto de a influenciar no que é publicado.
Além do mais, a questão da mídia no país vem sendo amplamente debatida pela sociedade civil. Jornalistas de renome como Luiz Carlos Azenha e Paulo Henrique Amorim criaram blogs onde tratam de analisar os interesses e bastidores da imprensa no Brasil. Uma ONG cujo objetivo é ‘vigiar’ a atuação da imprensa no país, o Movimento dos Sem Mídia, foi criada recentemente. Textos e mais textos sobre o assunto podem ser lidos neste Observatório, alguns deles de minha autoria, inclusive tratando do mesmo assunto que trato no documentário. Propostas para a democratização da mídia vêm sendo debatidas em fóruns, encontros universitários, bem como propostas de regulamentação de uso de verbas para publicidade oficial.
Mas esse debate ganha corpo e musculatura entre aqueles com aparentemente menos poder de mudança. O que precisa acontecer para que não apenas o governo de Minas Gerais, mas os governos estaduais e especialmente o governo federal encarem o problema da comunicação, entrem no debate e comecem a vislumbrar soluções?
Enfrentar esse problema implica bater de frente com os veículos de comunicação e toda a sua estrutura de alimentação da opinião pública, o que não é tarefa simples. Desagradar a esses leões pode custar uma futura eleição. E deixar de usufruir dos mecanismos de que dispõem pode abrir espaço para que a oposição comece a fazê-lo.
É a falta de coragem dos governos de enfrentar essas possíveis conseqüências que revela um defeito crônico de nossa classe política: a incapacidade de pôr à frente seus projetos de comunicação (se é que existem) em vez de seus projetos de poder. Mas revela também outro problema ainda mais grave: a inaptidão das poucas famílias que controlam os grupos de mídia no país compreenderem que o debate, a pluralidade de pensamentos e a exposição de pontos de vista diversos são fundamentais para a manutenção da democracia.
Resta então à sociedade civil, dentro de suas limitações, se mobilizar, organizar e cobrar mudanças. Pois esperar que os Marinho, os Civita, os Frias e os coronéis eletrônicos revejam o modus operandi de seus negócios seria contar um pouco demais com a boa vontade alheia…
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Documentarista