Depois de 28 anos de trabalhos prestados ao New York Times, Judith
Miller deixará o jornal. Após duas semanas de negociações, a repórter envolvida
no escândalo do vazamento da identidade de uma agente da CIA chegou a um acordo
com o jornalão na quarta-feira (9/11).
Pelo acordo, Judith se afastaria do jornal e o Times publicaria uma
carta onde a repórter explicaria sua posição. Inicialmente, Judith havia pedido
permissão para escrever um artigo para a página de opinião do jornal,
defendendo-se das acusações sofridas por ela, mas esta proposta foi recusada. A
editora da seção, Gail Collins, alfinetou a repórter, alegando que o espaço não
é para ser usado como um ‘leva-e-traz’.
A carta, intitulada ‘A despedida de Judith Miller’, foi publicada na
quinta-feira (10/11). Nela, Judith afirma que deixa o jornal em parte porque
alguns de seus colegas não concordaram com sua decisão de testemunhar no caso de
vazamento da identidade da agente da CIA. ‘Mas, principalmente, escolhi me
demitir do cargo porque, nos últimos meses, me tornei notícia, algo que um
repórter do Times nunca quer ser’.
A jornalista chegou a passar 85 dias na prisão por ter se recusado a revelar
a identidade de uma fonte e viu sua carreira virar de cabeça para baixo depois
de ter concordado em testemunhar diante do grande júri para ser libertada. A
repórter alegou que, mesmo antes de ser presa, já havia se tornado uma espécie
de bode expiatório por causa da cobertura que fez sobre a suposta existência das
armas de destruição em massa no Iraque – uma das principais justificativas do
governo americano para dar início à guerra. As tais armas nunca foram
encontradas e a jornalista afirma que a ‘fúria pública sobre as falhas da
Inteligência’ recaiu sobre ela. Judith ainda lamentou ‘não ter sido autorizada
a, na ocasião, dar respostas a estas questões’.
A repórter afirmou que estava grata pelo editor-executivo, Bill Keller, ter
finalmente esclarecido observações feitas por ele sobre ela. ‘Alguns de seus
comentários sugeriram insubordinação de minha parte. Eu sempre fui fiel às
decisões editoriais, até mesmo em relação àquelas das quais eu discordava’.
Judith também agradeceu aos colegas que ficaram de seu lado mesmo depois dela
ter sido criticada dentro do próprio jornal. As respostas da jornalista às
críticas encontram-se na íntegra em seu
sítio.
Sobre o fato de ter escolhido ir para a prisão a revelar sua fonte, ela
afirmou que o fez para defender seu direito de jornalista em proteger uma fonte
confidencial, ‘o mesmo direito que possibilita que advogados protejam a
privacidade de seus clientes, clérigos de seus fiéis e médicos de seus
pacientes’. Embora 49 estados americanos tenham estendido este privilégio aos
jornalistas, ainda não existe uma lei federal de proteção às fontes nos EUA. ‘Eu
escolhi ir à cadeia não apenas para honrar a promessa que tinha com minha fonte,
mas também para enfatizar a necessidade de uma lei federal’, afirmou a
jornalista.
As reações à saída
Por seu lado, Bill Keller enviou um memorando à equipe do jornal na
quarta-feira (9/11). Na mensagem, o editor-executivo lembrou os prêmios de
jornalismo ganhos por Judith em seus longos anos no Times e tornou
pública, a pedido da repórter, uma carta pessoal destinada a ela. A carta fala
sobre um memorando que Keller havia escrito aos funcionários da redação em
outubro sobre as lições que havia tirado de toda a polêmica envolvendo Judith.
Ela teria ficado ofendida com alguns termos usados por ele para descrever sua
relação com Lewis Libby, ex-chefe de gabinete do vice-presidente Dick Cheney e
sua fonte no caso Valerie Plame.
Keller usou as palavras ‘entanglement’, que pode sugerir um relacionamento
que envolve intimidade sexual, e ‘engagement’, algo como comprometimento, para
se referir à relação de Judith e Libby. Na carta, o editor-executivo afirma
saber que chateou a repórter e diz que sua intenção nunca foi sugerir um
relacionamento inapropriado entre os dois.
O publisher do Times, Arthur Sulzberger Jr., declarou que é
grato a Judith ‘pelo seu sacrifício pessoal para defender um princípio
jornalístico importante. Eu respeito sua decisão de se afastar do jornal e
desejo seu bem’.
Em entrevista, Judith afirmou que agora é uma ‘mulher livre’ do que chamou de
‘convento do Times; um convento com sua própria teologia e seu próprio
catecismo’. A jornalista revelou que poucas horas depois de sua saída ter se
tornado pública, recebeu ofertas de trabalho ‘de todos os tipos’, sem
especificar as propostas. Ela afirmou, entretanto, que no momento pensa apenas
em tirar férias, pois considera que, depois do período em que esteve presa, foi
atingida por um ‘tsunami de 40 dias’ de críticas e precisa de um descanso.
Informações de Katharine Q. Seelye [The New York Times, 9 e 10/11/05].