Ainda que o sinal da TV Brasil não esteja disponível para a maioria das cidades brasileiras, a população pode acompanhar como tem se constituído a programação da emissora pública montada pelo governo federal pela Internet. Foi assim que o Observatório do Direito à Comunicação fez o exercício de analisar o conjunto de atrações da semana. O levantamento aponta que a programação apresenta temática diversa, tendo como destaque os programas infantis, de debate e entrevista e jornalísticos.
Os desenhos e atrações para crianças, como as séries Um Menino Muito Maluquinho e Turma do Pererê, correspondem a 27,4% das horas veiculadas durante uma semana. Já programas de debates, como Diálogo Brasil e Observatório da Imprensa, e de entrevistas, como o Conexão Roberto D´Ávila, somam 17% da programação. Telejornais e reportagens especiais vêm em terceiro lugar com 13,8%. No primeiro e no terceiro caso, a boa presença na grade deve-se ao fato destes dois grupos reunirem programas que são veiculados diariamente, em geral de segunda a sexta-feira.
Com menor participação aparecem os programas culturais (9,9%), educativos (7,6%), filmes (7%) e artísticos (5,4%). São transmitidos ainda conteúdos para o público jovem (5%), de interesse público e promoção dos direitos da população (3,3%), animações (2,3%), religiosos (1,8%) e esportivos (1%). ‘Esta grade está buscando combinar a dimensão informativa, cultural e educativa da TV pública’, define a presidente da Empresa Brasil de Comunicação, Tereza Cruvinel.
‘A programação ainda está devendo. No momento que a nova grade acabar de ser implantada, com programas independentes, a tendência é que haja uma melhoria. Ainda falta uma série de projetos que foram debatidos no Fórum de TVs Públicas, como documentários e programas especiais bem próprios de uma emissora pública’, analisa José Torves, autor de livro sobre o tema e diretor da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj).
Para Rodrigo Murtinho, pesquisador sobre o tema na Universidade Federal Fluminense, ainda é cedo para fazer uma avaliação da programação da TV Brasil. Segundo ele, a grade repete majoritariamente a programação da TVE, trazendo algumas alterações no jornalismo e documentários. ‘Não é possível reconhecer uma nova personalidade na emissora, o que talvez seja um reflexo desse momento de transição’, conclui.
Transição
O caráter transitório apontado pelos dois entrevistados é a característica mais marcante da atual da programação da TV Brasil. Como afirmou Murtinho, a grade surgiu de uma junção entre os conteúdos que eram veiculados na TV Nacional, de Brasília, e na TVE Brasil, do Rio de Janeiro.
Da antiga emissora carioca ficaram principalmente desenhos, debates (como o Sem Censura, Espaço Público e Observatório da Imprensa) e programas culturais (Re-Corte Cultural e Conversa Afinada). Da TV Nacional vieram debates como o Diálogo Brasil e o telejornal Repórter Nacional, reformulado e transformado em Repórter Brasil.
Para o presidente do Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal, Romário Schettino, o novo programa ainda tem esbarrado em algumas dificuldades. ‘Ainda há problemas técnicos aqui e ali e de funcionamento, mas é totalmente compreensível quando se está no início’, comenta.
Atualmente, estão em implantação projetos de reportagens especiais (Caminhos da Reportagem e 100% Brasil) e filmes para televisão (DocTV nacional, América Latina e África). Ao todo, 14 novos programas estão sendo gestados pela Diretoria de Conteúdos e Programação.
Na filmatografia, há um movimento de fortalecimento do DocTV em suas diversas modalidades. Entre os conteúdos de finalidade cultural está em preparação um programa sobre a diversidade cultural brasileira e duas revistas sobre os continentes africano e latino-americano.
Polêmicas
As mudanças na programação geram tensões entre a nova estatal e antigos parceiros das emissoras incorporadas por ela. Na última semana, tornou-se pública uma polêmica com a Seccional Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil. A entidade mantinha um programa na TVE do Rio de Janeiro sobre justiça – o Direito em Debate – que foi incorporado pela TV Brasil e, há algumas semanas, retirado do ar.
O presidente da instituição, Wadih Damous, acusou de censura a decisão, alegando que ela teria ocorrido após pressões da direção da TV contra os realizadores do programa. A presidência da EBC reagiu e afirmou que a retirada foi motivada pela avaliação de que seria ilegal manter uma iniciativa que, na verdade, se constituía como aluguel de espaço da grade da TV Brasil. A OAB-RJ pagava pouco mais de 5 mil reais para veicular o programa.
A EBC afirmou ainda que já está nos seus planos a realização de um programa sobre o Judiciário e que gostaria de contar com entidades como a OAB como parceiras do projeto, mas que a direção editorial passaria a ficar a cargo da TV Brasil. Alguns dias depois, Damous enviou carta à presidente da EBC em que afirmava que o episódio teria sido um mal-entendido. Segundo o comunicado, a OAB/RJ deseja manter a parceria com a emissora e ‘participar dos projetos da TV Brasil relativos à programação destinada à área jurídica’.
Produção Independente
Outra questão que ainda é fonte de preocupações dentro e fora da EBC é qual será o espaço da produção independente na política de programação da TV Brasil. Durante a definição da Medida Provisória que criou a EBC, os produtores audiovisuais reclamaram fortemente do índice de 10% de cota para este tipo de conteúdo. Segundo Tereza Cruvinel, a cota será ultrapassada com folga. ‘Sempre se falou em quatro horas de produção independente, mas com certeza vamos ultrapassar esta meta’, afirmou.
No entanto, os editais anunciados há cerca de seis meses ainda não saíram do papel. ‘Quando tomaram posse, falaram que em abril sairiam os editais e a classe ficou toda empolgada. Passou abril, maio e junho e nada saiu. O que será que aconteceu que as coisas que iam acontecer não aconteceram?’, cobra Paulo Rufino, presidente da articulação Congresso Brasileiro de Cinema.
A saída de Orlando Senna e Mário Borgneth [ver ‘O que motivou a saída de diretores‘] aumentou os temores dos produtores sobre o futuro dos conteúdos audiovisuais independentes na grade da TV Brasil. Em resposta, a presidente Tereza Cruvinel e o diretor de programação, Leopoldo Nunes – este, o último representante do grupo ligado ao Ministério da Cultura na direção da empresa –, buscaram tranqüilizar o setor afirmando que os editais estão em andamento e serão divulgados em breve.
Acima do traço
Pesquisa recente sobre a audiência da TV Brasil mostrou que seus conteúdos já conseguem sair do traço – 1 ponto no Ibope – tão comumente utilizado para caracterizar o baixo desempenho das emissoras públicas e educativas. O telejornal Repórter Brasil, a série Um Menino Muito Maluquinho e os filmes da madrugada já chegaram a índices na casa dos 2 pontos. Programas novos como o De Lá pra Cá, com entrevistas feitas pelo jornalista Ancelmo Gois, e o Caminhos da Reportagem estrearam já com mais de 1 ponto no Ibope.
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Do Observatório do Direito à Comunicação