Para tirar proveito das disputas discursivas é preciso conhecer as estratégias do discurso. Ontem (21/9) publiquei no CMI um texto sobre o discurso de Dilma Rousseff na ONU. O texto foi comentado. Resolvi publicar aqui o resultado da avaliação que fiz sobre o comentário para mostrar aos leitores do OI como funcionam as estratégias do discurso.
O autor do comentário parece não ter entendido o que eu disse. Afirmou ele que “provavelmente o autor foi generoso demais com o homem político Dilma…” No meu texto, disse que “a exaltação do ego de Dilma ao fim de seu discurso na ONU, onde supostamente disse algumas verdades desagradáveis aos poderosos do hemisfério Norte, é interessante. Dilma comporta-se como se tivesse repetido o feito de Che Guevara, que foi muito mais contendente no passado do que ela hoje ao usar a mesma tribuna”.
A chave para entender este parágrafo são as expressões “exaltação do ego” (que os religiosos consideram um pecado e os psicólogos, eventualmente, consideram um distúrbio da personalidade), “onde supostamente disse algumas verdades desagradáveis” (o que ela disse não foi aquilo que ela poderia ter falado ou o que ela acreditou ter dito) e “comporta-se como se tivesse repetido o feito de Che” (ela não repetiu o feito de Che, apenas se comportou como se tivesse feito isto, o que de fato é algo bem diferente).
Crítica maldosa
A crítica feita pelo comentarista, portanto, é abusiva. Ele não leu o texto ou leu o texto e não o entendeu ou, ainda, apenas fez de conta que não entendeu o que leu para, desviando a atenção do leitor, desqualificar minha crítica colocando em evidência a sua. O procedimento intelectualmente desonesto adotado pelo comentarista é bem conhecido (vide “Como vencer um debate sem precisar ter razão”).
O autor da crítica, entretanto, tem um mérito. Ao desqualificar meu texto ele foi sutil. Além disto, apresentou argumentos racionais que apoiam sua tese de que Che fez algo diferente de Dilma (coisa que eu mesmo já havia dito de outra maneira). Podemos concluir, portanto, que o comentarista empregou com maestria a técnica discursiva ensinada por Schopenhauer.
Na verdade o comentarista só cometeu dois erros.
O primeiro foi atacar a sexualidade de Dilma (ela a chamou de “mulher-homem”). Ao fazer isto, o comentarista deu uma pista evidente de que pertence à oposição verminosa, a qual, como todos sabem, já andou divulgando comentários maldosos em relação à opção sexual da presidenta. Ao ligar-se discursivamente à oposição verminosa, o comentarista desqualificou sua própria crítica a Dilma Rousseff. Sua opinião pessoal sobre o discurso de Dilma Rousseff na ONU não foi adotada em razão do convencimento racional. É fruto de seu ódio à opção sexual dela e, em razão disto, não merece muito crédito.
O segundo foi usar um pseudônimo religioso. Quando se usa um símbolo religioso, é preciso não destruir sua essência. Mas foi exatamente isto que fez o comentarista. Ele atacou de maneira maldosa Dilma Rousseff com base em sua sexualidade, coisa que um verdadeiro seguidor de Jesus certamente não faria ou não poderia fazer.
Lições úteis
Como se pode ver, ao longo da minha avaliação, eu mesmo utilizei as estratégias discursivas de Schopenhauer, pois:
1) desqualifiquei a crítica apresentando argumentos racionais que supostamente provam que o autor do texto não leu o que eu escrevi, não entendeu o que leu ou fez de conta que não entendeu o que foi dito (alguém nestas condições não está em condição de debater, não pode debater ou não quer debater).
2) rebaixei a credibilidade de sua crítica dizendo que ele ofendeu Dilma Rousseff com base no argumento sexual e o liguei à oposição (os ataques da oposição à sua adversária são previsíveis e não têm qualquer valor intelectual).
3) rebaixei o valor intelectual de sua argumentação dizendo que ele é movido pelo ódio, e não por argumentos racionais (o ódio é um sentimento negativo e tende a provocar um distanciamento em relação a quem o utiliza ao nível do discurso).
4) disse que ele está ligado à oposição verminosa (o uso desta expressão sugere que esta oposição, em razão de sua péssima qualidade, não merece sequer atenção; ao ligar-se a ela, o autor do comentário também não merece muito crédito).
5) afirmei que o autor do comentário usou com maestria as técnicas de Schopenhauer (as quais são reconhecidas pelas pessoas cultas como artimanhas intelectuais bastante maliciosas, e até maldosas, que reduzem o valor de qualquer proposição sustentada com sua utilização).
6) e, mais importante, fiz referência ao fato do autor se manter no anonimato e usar de maneira inadequada um pseudônimo religioso (os argumentos que apresentei sugerem que sou religioso ou que respeito muito símbolos religiosos, o que não é verdade).
Refletindo sobre tudo que foi dito, aprenderá algumas lições úteis.
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[Fábio de Oliveira Ribeiro é advogado, Osasco, SP]