A internet abriu as portas e janelas da comunicação global, facilitou o contato entre pessoas separadas por fronteiras e oceanos, permitiu que qualquer um com um computador e uma conexão pudesse expressar suas opiniões. A contrapartida é que qualquer um com um computador e uma conexão pode discordar das opiniões dos outros e expressar suas próprias, sem precisar mostrar a cara. Faz parte do jogo. Sites que permitem comentários passaram a ter de lidar com os exageros e as exaltações dos leitores.
O curioso é quando alguém diz o que quer e ouve o que não quer. Na vida real, é fácil desligar o telefone, fechar a porta de casa, tapar os ouvidos. Na rede, fica tudo gravado para todo mundo ver e também dar o seu pitaco. E os pitacos costumam crescer como bolas de neve. Quando a apresentadora Xuxa se irritou, dias atrás, com internautas que debocharam de um erro de português de sua filha no Twitter, disse que eles não mereciam o contato com ela. Encastelada há tantos anos, a ‘rainha dos baixinhos’ entrou de gaiata no fantástico reino das redes sociais onde, com um login e uma senha, todos são iguais.
Basta
Mais curioso ainda é quando isso acontece com alguém já acostumado ao ambiente online. E que fique claro que não defendo a falta de educação, os insultos e ofensas na rede. Internautas que se protegem atrás de seus computadores para passar dos limites do bom convívio social são pessoas covardes na vida real. Mas o que aconteceu com a jornalista americana Sarah Lacy na semana passada exemplifica bem a dinâmica do diálogo na internet. Sarah escreveu o que queria em um momento de irritação, e ouviu críticas e mais críticas. Até que as críticas viraram insultos e os insultos chegaram ao blog de seu marido (que não tinha nada a ver com a história), no que ela viu como o momento de dar um basta.
Sarah escreve sobre tecnologia para o site TechCrunch, tem um blog e é autora de um livro sobre o Vale do Silício. Desde o início de setembro, ela virou também objeto de ódio de internautas brasileiros. A história começou com o planejamento de uma viagem para o Brasil. A visita ao país fazia parte de uma série de viagens para a preparação de um livro sobre companhias empreendedoras em mercados emergentes.
Em um artigo no TechCrunch, Sarah conta que estava tão empolgada com a ida ao Brasil, marcada para este mês, que passou quatro meses aprendendo o português. Mas o zelo não foi tanto na hora de tirar o visto para entrar no país. Ela diz que seu visto deveria sair um dia antes da data marcada para a viagem. Por um desses azares da vida, o governo brasileiro havia decidido, na mesma época da viagem de Sarah, trocar o sistema dos computadores, o que causou problemas e atrasou a emissão de vistos. Sim, essas coisas costumam dar raiva, nos sentimos perseguidos, perguntamos por que tinha que acontecer justamente conosco.
Irritação
Sarah gastou mais de mil dólares para reorganizar seus planos e teve de desmarcar entrevistas e encontros. Tudo muito frustrante. A irritação da jornalista era compreensível. O problema foi quando ela resolveu expressar sua irritação na internet. No artigo no TechCrunch publicado em 3/9, em que conta por que não iria mais ao Brasil, Sarah destilou todo o seu ódio. Chamou o país de ‘maldito’, citou a violência e os seqüestros e pichou a bandeira brasileira. Mesmo assim, ela diz que ainda espera viajar ao Brasil no fim do ano.
Os brasileiros não gostaram e lotaram o texto de Sarah com comentários. Alguns educados, outros nem tanto. Muitos internautas culparam a jornalista por não ter tirado o visto com mais antecedência. Outros lembraram que tirar o visto americano também não é nenhum mar de rosas. Sarah foi chamada de arrogante e egoísta. Diversos blogs repercutiram a polêmica.
Em post publicado em seu blog no domingo [6/9], Sarah conta que as pessoas ficaram ‘loucas’ com a história, entrando até no blog de seu marido para insultá-la. ‘Já fui atacada em Austin, Israel, China e África por coisas aparentemente inofensivas que fiz ou escrevi, mas ninguém nunca tinha ido atrás do meu marido. Agora ele está com raiva e preocupado por minha segurança, e tenta me convencer a não viajar mais para o Brasil, a cortar o país do livro de vez’, diz a jornalista. Por ‘motivos óbvios’, afirma ela, seu último post sobre o assunto não permitia comentários de leitores. Quem quisesse falar alguma coisa, que tivesse cojones e lhe mandasse um e-mail.