Friday, 15 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Apuração preguiçosa ou ‘preguiça’ deliberada?

Minha mãe e meu padrasto, junto de alguns amigos, são voluntários em uma
escola que atende crianças do Morro dos Macacos, na Tijuca. Há mais de um mês,
uma atividade com moradores da região estava marcada para o último domingo
(11/7), pela manhã. Além da distribuição de cestas básicas, o evento contaria
com palestras variadas e atendimentos gratuitos em medicina alternativa. Até aí,
nada demais – apenas mais um grupo pessoas tentando melhorar o mundo.


Ao receber minha mãe de volta para o tradicional almoço de domingo, qual não
foi a minha surpresa quando ela veio me contar que a atividade, por pouco, não
havia sido cancelada. O motivo? A comunidade estava em pânico e com medo de sair
de casa após a morte de cinco moradores da comunidade em uma incursão da PM na
noite anterior.


A história contada pelos moradores que se arriscaram a participar (descrita
por todos eles, sem exceção) e confirmada pelos responsáveis pela escola
era a seguinte: o tráfico atrasara o famoso arrego dos policiais. Em represália,
os militares proibiram a realização de uma tradicional festa junina (veja
bem, nada de baile funk) que reúne os que vivem no local. Sim, é bem
verdade que ela só é realizada com o apoio financeiro dos traficantes, mas
prossigamos.


Não havia interesse em publicar?


Apesar da proibição imposta, a festa junina acabou acontecendo. No meio dos
festejos, uma quadrilha (conjunto de bandidos, e não grupo de dança) de
policiais invadiu o morro usando e abusando da já costumeira truculência. O
saldo final foi de cinco mortos (na verdade, dois corpos não foram encontrados,
mas deduziu-se o óbvio). O pior é que, segundo nova afirmação unânime dos
moradores, pelo menos dois dos falecidos não tinham rigorosamente nada a
ver com o tráfico.


Os fatos nefastos não param por aí. Embora a sociedade não tome conhecimento,
mortes pelas mãos de policiais de maneira semelhante se transformaram em
acontecimento corriqueiro no Morro dos Macacos. Às vezes, a média é de uma
incursão por semana. Não se contabilizam corpos. Não se presta contas de tais
ações.


A grande ironia é que, de acordo com uma líder da comunidade, existe uma
torcida velada dos próprios moradores para que denúncias não aconteçam. Se algo
é divulgado, seja pela imprensa ou até no disque-denúncia, a violência da
próxima ‘batida’ policial dobra. Se a polícia mata e causa medo, para quem esses
cidadãos vão apelar?


Na condição de futuro (e presente, de certa forma) jornalista, me perguntei
por que nada daquilo havia encontrado repercussão na mídia. Os dados não
chegavam às redações? Não havia interesse em publicar? De todo modo, decidi
aguardar até a edição de segunda-feira. Não me parecia concebível que a morte
de cinco pessoas em uma única ação policial, bandidas ou não, fosse passar
incólume pelos meios de comunicação.


Morre pobre e favelado, ninguém liga


Hoje pela manhã, ao olhar a capa de O Globo, já senti o tom do que
viria por aí. Sob a chamada ‘PM proíbe funk onde baile causa violência’, um
pequeno texto anunciava uma nova medida de segurança adotada pelo Estado. Acerca
do episódio no Morro dos Macacos, apenas uma menção afirmando que a polícia
teria sido recebida a tiros e que a morte de três pessoas, além de outras seis
feridas, teria sido ocasionada pelo confronto com os traficantes. Sem falar que,
na ótica do jornal, ilustrada pela manchete, quem causaria a violência seria o
baile funk, e não a própria ação policial. Mais apropriado impossível, pelo
menos para a PM.


Por simples matemática, já se percebe que dois dos mortos contabilizados
pelos próprios moradores ficaram pelo caminho. Na matéria, a manchete trazia um
trocadilho bem bacana: ‘Funk proibidão’. Logo O Globo, que não é
o Meia-hora, foi decidir por chamada bem-humorada em notícia que trata de
morte? Banalização pouca é bobagem… Aliás, independente disso, é no mínimo
revoltante que o assunto principal da notícia gire em torno da medida de
segurança do governo e não da morte em circunstâncias duvidosas de três seres
humanos (nas contas divulgadas pelo jornal).


Quando uma bala perdida atinge alguém nas ruas da Zona Sul, o assunto reina
absoluto nos quatro ventos. Se duvidar, dá até nota na CNN. Querendo ficar mais
perto do Morro dos Macacos, é só lembrar da morte da menina Gabriela, também por
bala perdida, nas ruas da Tijuca. A conclusão é óbvia e nem tão nova, por mais
que ainda choque: se morre o pobre e favelado, então ninguém liga. Preto sendo,
melhor ainda.


É obrigação informar direito


No texto, em momento algum se questiona a forma como foi (ou, vá lá, pode ter
sido) conduzida a ação policial, nem é proposta uma análise um pouco mais
crítica sobre a famigerada política de extermínio referendada – ao que tudo
indica – por Sérgio Cabral. Para disfarçar a parcialidade escancarada, dá-se
aspas a um morador do Morro dos Macacos já no fim da matéria, anunciando o
caráter contínuo das execuções por parte da Polícia Militar.


Mas peraí… Mesmo com tal declaração, o repórter não se preocupou em buscar
mais informações sobre essas mortes? Por que os fatos narrados anteriormente no
texto são contados e assumidos como verdade, e não como versão da polícia? E por
qual motivo não se expõe com precisão também o que diz o outro lado da história?
Afinal de contas, uma das premissas básicas do jornalismo deveria ser uma tal de
imparcialidade… Ou não?


Decerto, haverá quem diga que a variante narrada pelos policiais merece mais
crédito do que as lorotas contadas por essa gentalha que ‘por mim nem
existiria’. É mais confortável pensar assim. Contudo, pouco importa: se ‘o papel
do jornal é informar’, como apregoa o slogan do mesmo jornal, é obrigação (e não
favor) informar direito. Passa por isso, no mínimo, ouvir os dois lados de uma
história.


Depois, não vamos reclamar por acabarem com a exigência do diploma…

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Estudante de Jornalismo, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, RJ