Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

As armadilhas do instante

Assistindo ao SP Record, da Rede Record, na quinta-feira (6/5), em torno das 19h20, presenciei uma postura do apresentador, Reinaldo Gotino, que me fez pensar em duas opções: ou ele não é informado sobre as equipes da empresa que estão na rua, ou menospreza a capacidade de observação de seus telespectadores.

O programa da emissora exibia, ao vivo, uma operação da Polícia Militar de combate ao tráfico de drogas, na região do ABC paulista. Os motolinks (motos ocupadas por um condutor e um cinegrafista) acompanharam as viaturas policiais durante o início da operação, segundo as imagens exibidas e narradas ‘ao vivo’ pelo apresentador.

Enquanto as imagens eram exibidas, Gotino falava da rapidez e tecnologia que dariam estrutura para que a emissora ‘seja’ uma referência na transmissão de situações (neste caso policial) em tempo real.

A fonte e a opinião

Qual não foi minha surpresa quando, novamente, o apresentador disse que havia mais um motolink acompanhando ‘outras’ viaturas durante a operação. No entanto, me senti em um déjà vu. A imagem narrada pelo apresentador, como ‘outro motolink da empresa’ era, pasmem, a repetição de uma cena usada no início da transmissão ao vivo, em que uma fileira de carros da polícia seguia para um ponto do ABC onde a moto da Record mudou de direção e seguiu apenas uma viatura, que rodou isoladamente, para que supostos bandidos não soubessem onde os policiais estariam (um detalhe positivo da matéria: a prudência para não atrapalhar o trabalho da fonte).

Durante duas abordagens ocorridas, novamente ao vivo, o apresentador, didaticamente explicou, à sua maneira, o procedimento da polícia: ‘Não é porque o homem está sendo abordado que ele é suspeito’, foi o tom da narrativa tecida pelo apresentador. Em dado momento, Gotino, com tom de empolgação, disse que um ‘bandido’ havia sido localizado, segundo a polícia. Ou seja, uma única fonte disponibilizada pelo ‘agora’ sustentou a opinião do apresentador, novamente.

Uma orientação de postura

Recentemente, li o livro Caso Escola Base (leiam), de Alex Ribeiro. O livro narra uma situação, ocorrida em 1994, em que mães de alunos acusaram a direção da escola de promover orgias entre adultos e crianças na faixa etária de quatro a seis anos. O caso da Escola Base mereceu destaque, pois repercutiu negativamente na vida de pessoas, seis para ser preciso, diretamente. O livro reflete o caso a partir do que foi escrito e televisionado na época, além de relatos dos acusados, que posteriormente foram inocentados (no papel).

No entanto, creio que este simples exemplo da Record, que tem seu telejornalismo orientado por um jornalista que domina assuntos relacionados à segurança pública (Percival de Souza), ilustra precariamente a fragilidade da velocidade da atual imprensa, que se vale de informações preliminares, ou em tempo real – que a impedem de apurar e ouvir os lados, improváveis, que ajudam a sustentar uma informação superficializada pelo tempo real em que é moldada e por um discurso de improviso (pautado pela parcialidade de quem o apresenta). Portanto, não uma apresentação de notícias, mas uma orientação de postura diante do cotidiano. Nada pessoal, de minha parte.

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Jornalista, Araraquara, SP