Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Às avessas da lógica do show business

Na lógica industrial da produção cultural contemporânea, seja no show business musical, cinematográfico ou editorial, algumas regras parecem se impor de modo consensual em qualquer projeto ou empreendimento de sucesso.

Uma delas diz respeito à visibilidade midiática: nada ou pouco parece sobreviver no imaginário coletivo das sociedades complexas se não tiver o aval da exposição permanente (muitas vezes, mesmo insistente e até repetitiva) da idéia ou produto em voga. Não é por acaso que algumas grandes gravadoras mantêm parcerias com redes de TV, cadeias radiofônicas e grupos empresariais de mídia impressa, pautando seus lançamentos e agendas de produção.

Por esta lógica, lançar um CD que não entra no integrado circuito de mídia seria um (quase) investimento a fundo perdido. Isso, claro, não autoriza a pensar que todo projeto editorial de mídia tenha aval prévio ou qualquer garantia de sucesso. Mas, que de fato a não-visibilidade dificulta a aceitação do produto, isso é inegável. E, talvez mais ainda, quando alguns dos principais grupos de mídia se mantêm com boas e expressivas verbas do dinheiro do contribuinte (os chamados anúncios oficiais, recursos de divulgação etc.). E isso, é bom lembrar, não é exclusividade do atual governo federal. Mas que se esperava que fosse um pouco diferente, isso é bem verdade!

Nem estratégias, nem polêmicas

Mas existem exceções, nas mais diversas sub-áreas desse hegemônico complexo industrial da cultura midiática. O recente show do Chico Buarque parece ser uma dessas situações.

Ora, mas Chico Buarque já é suficientemente conhecido do público e poderia dispensar mídia, divulgação paga etc. Mas o fato mais impressionante é que o músico-intelectual mítico tem brilho próprio, em seu discreto e fascinante comportamento profissional.

Os ingressos para os dois shows, programados para o início de abril em Curitiba, foram vendidos em poucas horas. Em São Paulo, a temporada foi prolongada com várias apresentações, além do previsto. O show extra que aconteceu em Curitiba também teve os ingressos esgotados em poucas horas. Até aí, pode ser habitual, visto que Chico Buarque veio pela última vez ao Paraná há exatos sete anos.

Contudo, Chico Buarque não depende de lobby de grande gravadora, de anúncio publicitário astronômico e tampouco de estratégia como falsas polêmicas, como alguns ‘astros’ da geração do cantor fazem, quando apelam para orbitar na mídia global. Chico B. tem um outro aspecto: não procura câmera de TV. Ao contrário, parece que ignora ou não se expõe facilmente. Também não dá entrevista a toda hora, como que estivesse falando mais do que teria para dizer ao seu público.

Sem apelos comerciais

Silencia, mesmo no show, quando o público espera que fale mais. Chega, tímido, inicia a apresentação que dura aproximadamente uma hora e quarenta minutos, e vai logo cantando. Emenda músicas do CD ‘Carioca’ com algumas composições de outros tempos. Abre espaço para apresentar os músicos com uma simpatia reveladora de uma relação profissional e respeitosa que mantém com os colegas instrumentistas. Para quem acompanha, também não parece haver espaço para dilemas de ego, muito comum no meio artístico verde-amarelo. Chico Buarque fala pouco, como que sugerindo que seu papel no palco é para mostrar a música, a genialidade das canções que fascinam milhões de brasileiros e estrangeiros.

Por tudo isso, a seu modo, Chico Buarque é possivelmente um dos raros casos, por uma combinação de fatores e aspectos, que não existe apenas enquanto circula no espaço midiático para se manter presente. A música de Chico Buarque parece sobreviver no imaginário de uma expressiva parcela da população brasileira sem a condição sine qua non da existência contínua da órbita publicitária e jornalística de mídia.

Um fenômeno que fascina milhões de leitores, telespectadores, ouvintes e amantes da música e que não depende de programa de auditório, jabá, matéria paga em jornal ou diversos outros recursos de apelo comercial que, muitas vezes, se impõem bem mais que a qualidade sonora, sensibilidade ou gosto cultural.

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Jornalista e professor, Curitiba, PR