Há palavras que, apropriadas pelo senso comum, acabam perdendo o seu significado histórico e passam a servir de muleta para pessoas incompetentes justificarem sua incapacidade perante aquilo a que se relaciona o termo. Criando assim uma áurea de inteligência onde há somente infantilidade.
No campo artístico por exemplo, as palavras surrealismo e contemporâneo servem hoje para justificar qualquer porcaria que os ‘artistas’ plásticos vêm fazendo pelo mundo. Ai daquele que venha criticar meu trabalho caso eu, como apontavam os desenhos animados, coloque tinta nas patas de um gato e o faça andar na tela branca. Isto é arte, é surreal, é contemporâneo; a tela ‘representa a voz dos excluídos perante a nova ordem mundial do aquecimento global’. É arte conceitual (outra palavra que não diz nada; sempre pensei que toda arte, desde os rabiscos na pré-história, era conceitual).
O jornalismo é recheado de palavras que servem apenas de cobertor para a mediocridade de quem as utiliza desenfreadamente para se autoproclamar alguma coisa. O maior exemplo é a palavra censura que, neste mês de comemorações sobre a liberdade de imprensa, liberdade de expressão e congêneres, foi simplesmente banalizada, principalmente em anúncios, debates e artigos pelo Brasil; utilizaram a palavra sem o mínimo respeito que ela merecer por trazer junto a si uma ‘carga’ histórica que vai muito além do discurso hipócrita de ‘É proibido proibir’.
Ética camuflada
Censura não significa impedir uma matéria de circular por conter argumentos falsos e dados errados. Muito menos impedir jornalistas de receberem ‘jabá’ e publicarem matérias compradas, assim como não é censura coibir os veículos de imprensa de pertencerem a pessoas ligadas a cargos públicos na política. Censura é o que vem acontecendo atualmente neste jornalismo nacional corrompido que permite os mais diversos abusos. É censura, pois o leitor é impedido de saber o que acontece no país; é censura porque ao leitor só é dado saber um dos lados da informação. A imprensa não é feita para a imprensa.
A liberdade de expressão, como apontada em outros artigos (O pior exemplo do jornalismo de curral e a liberdade e os espelhos), dá super-poderes aos comunicadores, inclusive o poder de criar inimigos para combater e mesmo o poder de censurar-se. Enquanto o jornalismo estiver apenas interessado em seus anunciantes, diretos e indiretos, e em camuflar a ética sob as páginas de manuais de redação empoeirados, não haverá reflexão sobre o coronelismo da imprensa que dê conclusões, impedindo o leitor de julgar.
Chega de chuchotar bobagens, diria Maiakovski.
***
Respeito para com o leitor
Através de promessas vagas e subjetivas, como são todas as promessas, a ESPM e o Conar inauguraram, como aponta anúncio na Folha de S. Paulo (8/5), um ‘Centro de Referência sobre Liberdade de Expressão’ que será ‘a primeira biblioteca no país com acervo destinado ao direito de livre expressão e contra a intolerância e a censura’.
A iniciativa é mais do que necessária. Porém, não basta agrupar livros. Assim como este Observatório, espera-se que este novo órgão tenha o respeito não apenas para com ‘universitários, professores, advogados, jornalistas, artistas, empresários e interessados’, mas para com o leitor, este a quem a censura deflora, oprime, maltrata e cala.
Uma pergunta: a expressão ‘Intolerância Zero’, como grafada no anúncio, é a mesa usada por Hitler, Mussolini e Stalin?
******
Coordenador de Comunicação, Jundiaí, SP