Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

As conseqüências do monopólio

O Parágrafo 5º do artigo 220 da Constituição reza que ‘os meios de comunicação não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio’. Esta, no entanto, é apenas uma das muitas normas do ‘Capítulo V – Da Comunicação Social’ que nunca foram regulamentados por lei e, portanto, não são observadas.


Nas diferentes legislaturas dos últimos 20 anos – a idade da Constituição de 1988 – não houve número suficiente de deputados federais e senadores que reunisse a força política necessária para regulamentar a norma. Nem o Poder Executivo, no mesmo período, tomou qualquer iniciativa para enviar ao Congresso Nacional projeto de lei regulamentando o assunto.


Ninguém conhece melhor as conseqüências diretas do descumprimento dessa norma constitucional do que os consumidores dos serviços de TV por assinatura no país.


Na quinta-feira (14/2), o deputado Paulo Pimenta (PT-RS) mostrou ‘ao vivo’ do plenário da Câmara dos Deputados como funcionam os serviços de atendimento ao consumidor das concessionárias de telefonia celular e TV a cabo. Ele esperou 25 minutos para agendar a prestação de um serviço na operadora de TV a cabo NET, que monopoliza esse serviço em algumas das principais cidades brasileiras. Aparentemente, a espera foi grande. A média de espera para ligações desse tipo, no entanto, é maior do que 30 minutos. O deputado chamou também atenção para o fato de que essas longas ligações são pagas pelo consumidor e não pela operadora. (Aliás, o assinante paga até mesmo a emissão do ‘boleto bancário’ através do qual a sua assinatura é quitada mensalmente!).


Clubes insatisfeitos


Os problemas do consumidor, todavia, não se limitam à demora no atendimento, ao preço pago pelas ligações e pelo boleto bancário. Um serviço de pay-per-view, por exemplo, contratado – e pago – pode simplesmente não estar disponível no dia e na hora que deveria ir ao ar. Os assinantes de Brasília que compraram o pacote de futebol que inclui o Campeonato Mineiro só conseguiram ver alguma partida deste campeonato a partir da segunda rodada e, assim mesmo, depois de inúmeras e longas ligações, agendamento não cumprido de visitas técnicas e muito aborrecimento.


A tentativa de resolver o assunto utilizando o atendimento via e-mail chega a ser cômica: além da demora de dois dias para se obter uma resposta, um pedido de informações sobre o cancelamento do contrato pode ser respondido anonimamente com um texto padrão que diz: ‘Ficamos felizes em saber que o Sr. aprecia o nosso trabalho’ (sic)!


Se o consumidor consegue finalmente assistir aos jogos do campeonato que ele contratou, se defronta com outro problema: a ausência de profissionalismo das transmissões. Um exemplo: no jogo entre Cruzeiro e Guarani de Divinópolis, realizado no sábado (16/2), o locutor passou quase todo o primeiro tempo identificando o zagueiro Léo Fortunato do Cruzeiro como sendo Giovanny Espinoza, o equatoriano que não havia entrado em campo e não constava da escalação fornecida pelo próprio locutor antes do início da partida.


Aliás, sobre transmissões esportivas o jornalista Daniel Castro revelou, na Folha de S.Paulo (11/2), que o governo federal reabriu em outubro passado as investigações iniciadas em 1997 na Secretaria de Direito Econômico, do Ministério da Justiça, para apurar indícios de práticas anticoncorrenciais por parte da Rede Globo na compra do Campeonato Brasileiro de Futebol [ver aqui].


Nada mais oportuno. A grande mídia noticiou recentemente a insatisfação de clubes do porte de Flamengo, São Paulo e Cruzeiro com os contratos de exclusividade de transmissão que vem sendo celebrados, há anos, com a Globo.


Passou da hora


Para os assinantes da NET interessados em acompanhar o Campeonato Brasileiro não há outra alternativa a não ser se tornarem ‘sócios’ do PFC (Premiere Futebol Clube) e pagar as mensalidades mesmo nos intervalos entre campeonatos, isto é, quando não há jogos para serem transmitidos.


A última da operadora NET com seus assinantes foi enviar, junto com a conta do mês de fevereiro, um novo contrato de Prestação de Serviços, impresso em três páginas de letras de corpo minúsculo. Perdido no meio do texto do longo contrato está uma cláusula de permanência mínima de 3 a 24 meses, a critério da operadora. E, mais escondida ainda, está um nota de pé de página que informa ‘para sua conveniência, ao pagar a próxima fatura este novo contrato entra em vigor automaticamente’ (sic). Que falta faz a concorrência!


A (des)regulação do setor de comunicações no Brasil e a ausência histórica de um marco regulatório abrangente que inclua e contemple a convergência tecnológica é fato por demais sabido. As conseqüências do monopólio estão aí e já passou da hora para que os consumidores desses serviços públicos reivindiquem seus direitos.


O Parágrafo 5º do artigo 220 da Constituição precisa ser regulamentado e a Secretaria de Direito Econômico e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) devem tomar medidas urgentes para garantir a concorrência no serviço público de comunicações.

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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007)