No mundo ‘globalizado’, não há como negar o papel importante que o bom jornalismo presta no sentido de divulgar, e mesmo denunciar, ações e omissões por parte de pessoas, grupos e governos, geradoras de injustiça social e, em muitos casos, de desrespeito aos direitos humanos mais elementares.
Mas, infelizmente, o bom jornalismo está sendo cada vez mais relegado a uns poucos abnegados que se dispõem a pagar o preço, às vezes alto, que é cobrado daqueles que decidem enfrentar interesses poderosos para revelar a verdade dos fatos.
Assim, apesar de sermos, diariamente, bombardeados pela mídia, com pseudo-notícias detalhadas a respeito de como o capitalismo está lidando com a sua crise estrutural em âmbito global, ou de como a ‘pandemia’ da chamada ‘gripe suína’ vem evoluindo em diversos países, ou de como os israelenses estão fazendo valer seu poderio e superioridade militar sobre os palestinos, ou de como os políticos estão agindo para defender seus interesses e se manterem no poder, pouco sabemos sobre tantos outros conflitos armados, epidemias, endemias, pandemias e desnutrição crônica que assolam diversas regiões do planeta, dizimando, anualmente, milhões de seres humanos, em sua maioria crianças indefesas, sem que os jornais e telejornais dediquem pelo menos alguns minutos diários para revelar a face cruel do mundo dito capitalista e globalizado.
Tuberculose é pandemia grave
Uma rápida passada de olhos no site brasileiro da organização ‘Médicos sem Fronteiras‘, instituição sem fins lucrativos com a missão de socorrer vítimas de catástrofes de origem humana ou natural, é suficiente para ver como a mídia em geral é parcial em matéria de noticiar o que está acontecendo no mundo.
Enquanto somos informados pela mídia, diariamente, sobre as milhares de pessoas que estão infectadas pelo Influenza A (H1N1), nada sabemos sobre os milhões (3 milhões só no Brasil) infectados pelo Trypanosoma cruzi, parasita causador da doença de Chagas, que mata cerca de 50 mil pessoas por ano, somente na América Latina (incluindo o Brasil), onde é maior sua incidência, segundo dados da organização internacional DNDi – Drugs for Neglected Diseases initiative (Iniciativa de Medicamentos para Doenças Negligenciadas).
Ficamos sabendo pela MSF e pela DNDi que, entre as epidemias e endemias negligenciadas pela mídia, somente o calazar (leishmaniose visceral), a doença de Chagas e a doença do sono (infecção por parasita transmitido pela mosca tse-tsé) colocam em risco, anualmente, a vida de mais de 80 milhões de pessoas. O calazar é conhecido por devastar populações de cidades inteiras na Índia, Sudão, Nepal, Bangladesh e Brasil, mas a mídia, especialmente a brasileira, parece não saber nada a esse respeito.
Para os que buscam a verdade dos fatos, ainda é difícil entender por que razão a Influenza A recebeu e ainda recebe tanto destaque na mídia, enquanto a pandemia de tuberculose, por exemplo, que mata, por ano, cerca de 2 milhões de pessoas no mundo (5.000 no Brasil) só é divulgada através de iniciativas governamentais e não governamentais sem fins lucrativos. Será porque a tuberculose atinge em sua maioria países e populações pobres, com poucos recursos para comprar medicamentos? Há cerca de 15 anos, a OMS (Organização Mundial de Saúde) constatou que a tuberculose ainda é uma pandemia grave, estimando em um terço da população mundial o número de infectados, o que a levou a declarar a tuberculose uma emergência mundial, mas parece que a mídia não sabe nada disso.
Condições precárias de saneamento
A mídia parece também não se interessar em divulgar como e por que milhões de pessoas no mundo, em sua maioria crianças, são vítimas todos os anos de desnutrição e doenças epidêmicas e endêmicas para as quais já existe prevenção, tratamento e cura, como é o caso da meningite, sarampo, cólera, malária e diarréias provocadas por infecções intestinais.
Infelizmente, também não há divulgação suficiente dos milhares de mortes e milhões de vítimas dos diversos conflitos armados em andamento no mundo, o que permite que ditadores e pequenos grupos armados, mancomunados com a indústria armamentista, continuem agindo livremente e perpetuando a miséria e o sofrimento de populações inteiras. Na África, essa realidade é assustadoramente real e atual, com milhões de pessoas sobrevivendo e morrendo há anos em campos de refugiados, em razão de terem sido forçadas a deixarem suas casas, ou após as mesmas terem sido destruídas.
O descaso da mídia em relação a essas tragédias provocadas pela ação humana coincide com a falta de interesse dos países desenvolvidos em buscar soluções para esses conflitos, que, há muitos anos, devastam países como Sudão, Quênia, República Democrática do Congo, Chade, Etiópia e Somália, para citar somente os mais atingidos. O pior é que esses mesmos países acabam sendo palco também de epidemias e endemias, provocadas ou agravadas pelas precárias condições dos sistemas de saneamento e dos parcos serviços de saúde que restam após anos de guerra.
Falta de interesse?
A violência social crescente em países como Haiti, Zimbábue e Mianmar também não parece comover os responsáveis pela editoria de notícias dos grandes jornais e telejornais. Muito destaque na mídia tem sido dado aos conflitos na faixa de Gaza, no Iraque e no Afeganistão, principalmente por conta dessa divulgação interessar indiretamente aos norte-americanos e seus aliados, que elegeram o ‘terrorismo’ de origem islâmica como seu inimigo número um. Mas pouco tem se falado e mostrado, por exemplo, sobre a luta armada em curso no Paquistão, onde mais de 600 mil pessoas já se viram obrigadas a abandonarem suas casas, fugindo da guerra. E por aí vai.
Resta sabermos até que ponto a omissão do poder midiático, no que se refere à pouca divulgação de tantas tragédias em curso no mundo, decorre da falta de bons jornalistas ou da falta de interesse dos donos do poder.
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Contador, Rio de Janeiro, RJ