Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

As fontes e o pluralismo

A ordenação do novo bispo de Roraima, Pe. Roque Paloschi, em 17 de julho, foi um dos momentos mais significativos para a comunidade católica da região, mas também para a imprensa. Durante a cerimônia, o novo bispo e representantes da Diocese fizeram questão de agradecer e registrar o importante papel da imprensa na cobertura do evento e para a difusão e a propagação de suas metas. Segundo o discurso de posse, a agenda da Diocese estará voltada para três pontos fundamentais: 1. os índios por se tratar de uma questão ‘histórica’; 2. a questão dos imigrantes ou pluralidade cultural existente no Estado e 3. a comunidade de Boa Vista.

Muito embora os agradecimentos tenham sido dirigidos de forma especial ao Amazonsat, pertencente à Rede Amazônica de Televisão, filiada da Rede Globo em Manaus, que transmitiu ao vivo a cerimônia para toda a América Latina, a disposição da Diocese em manter um bom relacionamento com a imprensa é relevante, pois há menos de uma década isso teria sido inviável; questões ideológicas interferiam negativamente sobre as relações entre imprensa e a Diocese de Roraima, e por conseqüência, sobre o processo de construção da notícia. Grande parte da imprensa local criticava as posturas da Diocese em torno das causas indígenas e acusava o bispo Dom Aldo Mongiano de incitar índios e contribuir para o surgimento de conflitos entre índios e não-índios.

Vários discursos

É provável que esse passado nem tão distante – e eu me incluo nessa imprensa por ter me posicionado erroneamente durante o tempo em que trabalhei como repórter em veículo local – tenha deixado cicatrizes e contribuído para que Dom Aldo, hoje bispo emérito de Roraima, tenha se negado a conceder entrevistas a alguns veículos locais e a se posicionar publicamente quanto à homologação da reserva Raposa Serra do Sol em área contínua, em sua visita ao estado como convidado especial para a posse do novo bispo. Justo ele que fora um dos mais incansáveis defensores das causas indígenas durante os mais de 20 anos (1975-1997) em que permaneceu à frente da Diocese local. Passados mais de 10 anos, os tempos são outros, a natureza dos fatos/conflitos evoluiu e posturas dessa natureza envolvendo imprensa x fontes de informação já não são mais aceitáveis.

Com o avanço das tecnologias e do processo democrático, a pluralidade de vozes se tornou uma prioridade no discurso jornalístico e uma obrigatoriedade ética da imprensa na cobertura dos fatos e acontecimentos que demandam um alto grau de complexidade.

No mundo contemporâneo a função da imprensa não pode se limitar em avaliar se é contra ou a favor de determinada questão, mas sim de ouvir e de dar espaço aos mais diversos segmentos, decidir qual deve ser o enfoque preponderante e saber conduzir os vários discursos em direção de um consenso.

Fontes úteis

Não é de hoje que os veículos, sejam eles impressos ou audiovisuais, têm espaços próprios para a crítica, a contestação. Os jornais podem se manifestar plenamente, contra ou favor, de qualquer questão – nas páginas de opinião destinadas a artigos, editoriais, colunas assinadas etc., e que porventura possam contrapor os interesses do veículo.

Sob essa perspectiva, os impasses entre a imprensa e a Diocese de Roraima existentes no passado nos levam a uma indagação: os discursos de Dom Aldo se apresentavam mesmo como ameaça às entidades contrárias a suas idéias ou faltava conhecimento de causa entre seus opositores para combatê-las? E aí cabe um reconhecimento: concordemos ou não com as posturas de Dom Aldo, hoje de volta a sua terra natal, a Itália, a verdade é que ele sempre se apresentou como uma das mais prodigiosas fontes de informação para a imprensa, pois suas crenças e convicções eram fruto de longa trajetória profissional, dedicada à reflexão e ao amplo conhecimento das causas que defendia, incluindo-se nesse percurso, Portugal e Moçambique. E é justo aí que reside, hoje, a importância de uma fonte para a imprensa e, por conseqüência, para a opinião pública: o seu alto grau de conhecimento e envolvimento em determinada questão, para defendê-la diante dos críticos. Vencer a crise discursiva do mundo contemporâneo, isto é, a banalização dos discursos constitui um dos maiores desafios da imprensa para os próximos anos.

Por essas e outras razões a Diocese de Roraima e as demais instituições religiosas presentes no estado sempre foram e sempre serão fontes de informação da mais alta grandeza para a construção do jornalismo regional, desde que as suas declarações sejam baseadas em verdades e estejam de acordo com os anseios da comunidade.

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Jornalista, mestre em Ciências da Comunicação pela ECA/USP, professora do Curso de Jornalismo da Universidade Federal de Roraima