Edição dominical do Estado de S.Paulo (20/3/05, pág A 26) publica matéria de Claudia Ferraz e Simone Iwasso sobre as estimativas da Organização Mundial da Saúde de que 31% das gestações no Brasil são abortadas. A matéria afirma que o uso de medicamentos ou outras soluções caseiras, além da prática clandestina, fazem do aborto a quarta causa de morte materna no país, de acordo o Ministério de Saúde. Mas qual era o sentido da matéria assinada – aliás, por duas mulheres? Prevenir? Infelizmente, não.
A matéria ‘Droga do aborto, com a venda livre na internet’ era de interesse de todos. Considerando a estatística acima mencionada, poderia se esperar também que uma parcela das leitoras – ou suas filhas – algum dia poderia ser tentada a tomar o medicamento (de maneira legal ou não). Lamentavelmente, o jornal noticia e descreve a venda clandestina mas fecha os olhos à realidade que ele mesma ilumina. Em conseqüência, não ajuda em nada.
Qual o nosso papel como jornalistas? Pode limitar-se a tentar evitar a compra de uma droga perigosa e de venda proibida mediante a difusão de dados confusos e assustadores? Discordo. Dizer que ‘as mulheres correm o risco de sofrer hemorragias, perfuração no útero e até morte’ ajuda muito pouco. Melhor seria mencionar sob que condições aumentam os riscos para a mulher, quais os sinais do corpo em que se deve prestar atenção depois do uso do medicamento e outras informações úteis.
Será que as leitoras e prováveis usuárias do remédio sabem que dor abdominal forte pode ser sinal de infecção que precisa de tratamento urgente? Ou reconhecem facilmente quanto sangue possível se perder no processo e quando uma hemorragia se torna perigosa?
É preciso afirmar que as mulheres precisamos de informação sobre preço que se paga para comprar a pílula abortiva pela internet? Se o fim perseguido é reduzir o uso da droga, existem outros caminhos a explorar. Por exemplo, escrever de maneira clara que a fertilidade de uma mulher volta logo depois de um aborto.
Mesmo nos assuntos mais polêmicos sempre é possível encontrar profissionais da saúde responsáveis que expliquem os fatos de maneira clara, com os cuidados devidos para falar de um ato proibido. Ou, com a mesma facilidade que hoje a droga abortiva é vendida na internet, é também possível achar na tela do computador toda a informação útil e séria que deveria estar no texto.
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Bióloga e jornalista especializada em saúde