É comum encontrarmos na imprensa brasileira muitos modelos de desenvolvimento econômico fundados na cartilha neoliberal, ditados por especialistas atentos ao mercado e alheios à História. A fonte do acúmulo de riquezas das potências mundiais, segundo esses especialistas, passa longe da África, da América Latina e de outros baús continentais. A nossa região, como destaca Eduardo Galeano no (já) clássico As veias abertas da América Latina, ‘especializou-se em perder desde os remotos tempos em que os europeus do Renascimento se aventuraram pelos mares e lhe cravaram os dentes na garganta’. Desde então, a natureza geme e os latino-americanos vêm perdendo a qualidade de vida em meio à abundância de recursos naturais.
A cultura renascentista, triste lógica, ergueu-se também em cima de escombros. Muitas obras, especialmente as que demandavam ouro e prata, foram esculpidas com o sangue dos índios. Eles eram cerca de 70 milhões na chegada dos europeus. Um século e meio depois não somavam quatro milhões, a maioria submetida ao trabalho escravo nas minas. As doenças, a arma de fogo, as péssimas condições de trabalho e também o suicídio foram os fatores determinantes do extermínio.
Com a flora e a fauna, a destruição foi ainda maior. Os europeus arrasaram complexos sistemas de irrigação inventados pelos incas, grande parte do verde se converteu em cinzas. Hoje, estima-se que restam 7% da Mata Atlântica e boa parte das espécies que nela habitavam estão em extinção. A destruição do novo mundo alavancou o desenvolvimento do velho. O saque a céu aberto na América possibilitou uma acumulação de riquezas sem precedentes. Eis um dos fatores preponderantes para a Revolução Industrial.
Valores mercadológicos
Ainda hoje, a América Latina é uma reserva natural para os criadores de produtos sofisticados e artificiais e, por isso mesmo, condenada a perder no comércio internacional.
Os modelos de desenvolvimento dos nossos especialistas da TV, que enaltecem a cultura e a educação das potências mundiais, não levam em conta o óbvio, os séculos de exploração capitalista, especialmente a injusta divisão internacional do trabalho.
As bases do desenvolvimento econômico – para continuar a discussão de argumentos óbvios, mas ignorados nos principais veículos de comunicação – estão estabelecidas na destruição ambiental. Os recursos naturais – a água, o ar, a terra, a flora, os animais – só são considerados riqueza quando desprovidos de vida, ou seja, quando geram trabalho, transformam-se em mercadorias e engordam o Produto Interno Bruto.
Ao mesmo tempo em que patrocina ações de marketing ambiental – algumas, vá lá, boas políticas de redução de danos –, o governo estimula a produção acelerada. Os congressos discutem o uso de combustíveis renováveis, enquanto o Brasil busca petróleo nos confins do oceano. As escolas celebram a Semana do Meio Ambiente, enquanto as automobilísticas comemoram a liderança nas vendas. Ações ambientais são condecoradas em assembleias legislativas, enquanto os políticos vêm a público – como Lula, em pronunciamento televisivo de 2009 – para clamar pelo consumismo.
Não é mistério para ninguém: a vida é fundada na superprodução industrial, na circulação excessiva de mercadorias e imagens. Todos os setores da existência, das instituições às pessoas, dos relacionamentos ao trabalho, são influenciados por valores mercadológicos. Muitas profissões existem em razão do boom de serviços. Os atendentes de telemarketing, por exemplo, são alguns dos representantes da mão-de-obra barata responsável por mediar o consumo.
A renúncia dos excessos consumistas
A economia do país cresce. A maioria dos trabalhadores vive com salários mínimos e bolsas sociais, apesar de serem os verdadeiros produtores. A tecnologia multiplicou os pães, o circo e os chips, mas os trabalhadores latino-americanos continuam pobres, vítimas de um mundo de estrutura rudimentar, fundada na desumana exploração do trabalho e dos recursos naturais em favor dos donos do poder econômico.
Os aparatos ideológicos do Estado e do mercado incentivam os hábitos consumistas, os investidores das grandes corporações se enriquecem. As mudanças sociais profundas necessárias à sustentabilidade não entram na pauta de jornais e passam longe das salas de aula, cada vez mais focadas em preparar os indivíduos para o mercado.
O desenvolvimento do senso crítico, pela educação, ainda é a fonte de esperança, mesmo num país de semi-analfabetos como o Brasil. A educação tem a missão de formar profissionais para cumprir as exigências do mercado (sobreviver é preciso), mas não pode abrir mão de estimular a interpretação do mundo. O educador instruído é subversivo: talvez resida nele o único instrumento apto a formar uma nova consciência, na contracorrente de tantas visões superficiais mantendo as coisas em direção ao abismo.
O Brasil, como boa parte da América Latina, está plenamente integrado na rede global da troca de mercadorias. Por isso a mudança, se vier, deve surgir em rede, não isoladamente. A transformação não será possível, então, sem uma consciência global voltada para a renúncia dos excessos consumistas, um movimento social crítico, conectado, que cobre uma revolução nos meios de produção, no sistema do trabalho e na economia dos recursos naturais. Sem isso a vida continuará desleal com a maioria dos seres humanos e, o pior, em breve a mãe natureza tende a eliminar os filhos, mesmo os mais privilegiados, em legítima defesa.
O caminho do progresso
O Ministério da Educação elabora um plano de metas de expansão do ensino superior até 2050. O motivo alegado: ‘Para que o Brasil não tenha, em breve, um apagão de profissionais.’ Além de mapear o mercado, o ministério vai sugerir novos cursos. Conforme o secretário de ensino superior do MEC, Luiz Cláudio Costa, é preciso, por exemplo, investir na formação de um profissional com uma visão ecológico-industrial, ou seja, um trabalhador ciente das questões ambientais e da necessidade de avançar no crescimento da economia. ‘Precisamos responder rapidamente a questões que não podem ser gargalos ao nosso desenvolvimento econômico’, diz o secretário.
Eis o aumento da demanda por profissionais que cavem, com competência técnica, a própria cova. Para o secretário de Educação do país, o sistema econômico atual não é um espinho na garganta do meio ambiente. As questões ambientais – em outras palavras, as pressões sociais pela preservação do mundo – é que andam danificando a máquina de moer homens.
Que venham mais pedras no caminho do progresso.
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Escritor, jornalista e colunista da revista Plurale