Às vésperas das eleições presidenciais – competitivamente disputadas por duas mulheres, Dilma Rousseff e Marina Silva – é interessante olhar para as mitologias masculina e feminina ligadas ao comando do Estado e das empresas.
Instituições e empresas têm sido tradicionalmente comandadas por estrategistas. O estrategista como expressão de chefe de militares moldou uma cultura de comando inflexível e inquestionável em quase todas as organizações empresariais. Dessa forma de ver e transformar o mundo deriva as expressões, palavras, gestos, comportamentos, horários e formas de vestir-se no mundo do trabalho, demasiadamente preocupado em controlar o tempo e pretender eliminar os desejos e as subjetividades. A palavra de ordem, produtividade, é essencialmente masculina. Homem tem dificuldade em conviver com licença maternidade e menstruação. Homem tem pressa.
Estrategistas de Estados, desde a antiga Grécia, são homens. As empresas têm repetido o modelo masculino de comando, caracterizado muitas vezes por ser desproporcional, violento, forte, feroz e rústico. Não é sem causa, Atlas representa o trabalho pesado de segurar sobre os ombros o céu, o mundo. Aos homens-comandantes cabe historicamente tomar as decisões de forma objetiva. O gênero masculino nos é apresentado como um atributo natural do poder. Será?
Raciocínio binário
Toda essa mitologia acerca do comando masculino é posta à prova, desmontada, por narrativas mitológicas acerca de mulheres como a Judite bíblica, que protagoniza a mulher que cortou a cabeça de Holofernes, o general assírio inimigo, para livrar o povo judeu da opressão. Ou a Joana D’Arc, heroína francesa da Guerra dos Cem Anos (1337-1453), representa o símbolo da resistência da França ao invasor inglês e, nas grandes guerras mundiais, do século XX, ao invasor alemão.
Na contemporaneidade, mulheres que não tinham as narradas belezas e as sensualidades de Judite e de Joana, exerceram um comando forte sobre os seus países, que determinou mudanças profundas feitas, por exemplo, pela primeira-ministra britânica Margaret Thatcher (1925) e por Michelle Bachelet, presidente da República do Chile, entre os anos de 2006 e 2010.
Bachelet , que havia sido presa e torturada pelos militares chilenos, em 1975, dentro do ambiente da ditadura do general Pinochet, anos depois, dentro da democracia chilena reconquistada, foi a comandante em chefe dos militares de seu país.
As narrativas sobre as comandantes vitoriosas como Margaret Thatcher e Michelle Bachelet são colocadas, na maior parte das vezes, como exóticas. O clichê ‘Dama de Ferro’ pelo qual era conhecida Thatcher é uma prova disso. Para uma sociedade machista, à direita e à esquerda, só uma mulher dura, feita de um material siderúrgico, poderia promover reformas ou revoluções. Nesse mesmo enquadramento mental, surge sempre a figura de um homem que tutela a marionete mulher que exerce o poder institucionalmente. Imaginem, então, como são enquadradas aquelas chefes-mulheres solteiras ou casadas com desconhecidos ou ainda, aquelas que vivem os seus segundos ou terceiros casamentos. O raciocínio social binário, trabalhado pelo chamado marketing político, com certeza, terá dificuldade em categorizar as comandantes viúvas.
O marketing político é masculino e reacionário
O contexto eleitoral é criador de identidades fortes e reacionárias sobre homens e mulheres. É produtor de uma conversa reduzida que não tem meio tom. Homens e mulheres reais não fazem parte dele. O discurso e ação eleitoral (muitas vezes, também, da comunicação da empresa e da instituição) cumprem estratégias centradas em construir oponentes, em combater e eliminar inimigos. O marketing político é inimigo da democracia. É inimigo das mulheres, dos homens, das crianças e dos desvalidos. O marketing eleitoral devora valores como a compreensão, o entendimento, a solidariedade e a cidadania. O ringue político deseduca. A ágora, ao contrário, educa.
Neste contexto, eleição é uma situação que não admite neutralidade. É criador de um ambiente onde não é possível conviver, compartilhar, co-criar, comunicar, conversar, colaborar, ser comensal.
O marketing político é uma escola de guerra, inclusive contra as mulheres.
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Jornalista, professor da ECA-USP e diretor-presidente da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje)