Embora alguns colunistas que ocupam posições privilegiadas na imprensa brasileira insistam em fingir não notar, a internet transforma-se, cada vez mais, no locus onde se dão as mais dinâmicas e tensas relações entre comunicação e política,
A semana passada foi, neste sentido, particularmente agitada: ao encerramento de atividades de um dos mais combativos blogs políticos do país vieram se somar graves denúncias, no Brasil e no exterior, de manipulação da internet para fins políticos.
O New York Times revelou, no sábado (8/8), que os ataques coordenados de hackers contra sites de uso massivo como o Twitter e o Facebook na quinta e na sexta-feira – responsáveis por panes que ‘afetaram a vida de centenas de milhões de usuários de internet’ – tiveram como objetivo principal interferir na difusão de material de análise política produzido por um professor de economia e blogueiro georgiano, relativo ao conflito entre Rússia e República da Geórgia, ocorrido há um ano: ‘Seria como bombardear uma estação de TV porque você não gosta de uma das notícias’, afirmou Mikko Hyppönen, pesquisador-chefe da firma de segurança virtual F-Secure, em seu blog (ver ‘Ataque a redes sociais teria motivação política‘).
Já o site português Esquerda, citando fontes diversas – inclusive governamentais –, forneceu detalhes sobre o mais ambicioso plano de uso da internet para fins de propaganda política por uma nação democrática a vir a público até hoje: a força-tarefa constituída pelo governo de Israel para atuar, de forma incógnita, no universo virtual, visando criar uma boa imagem do país no exterior e se contrapor à militância anti-Israel que, de acordo com alguns observadores, ganhou terreno com o advento da internet. Segundo o site português, a iniciativa israelense fora denunciada pela própria imprensa do país, por meio da colunista Rona Kuperboim, do Ynet – o site noticioso mais popular de Israel. Porém tal estratégia já fora tema de coluna de Richard Silverstein no Guardian.com em janeiro deste ano.
O fim do A Nova Corja
No Brasil, foi anunciado na quinta-feira (6/8) o fim do blog A Nova Corja, que se destacou pela cobertura dos desmandos que ora levam o Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul a ajuizar ação de improbidade administrativa contra a governadora Yeda Crusius (PSDB). De acordo com o jornalista, professor de Comunicação e ex-membro do blog gaúcho Marcelo Trässel, o motivo principal para o encerramento das atividades seria o ‘desânimo’ causado pelos processos judiciais movidos pelos jornalistas Políbio Braga e Felipe Vieira e pelo Banrisul, que tomariam tempo, dinheiro e disposição física e psicológica dos blogueiros.
Ao encerramento de atividades do blog vem se somar uma série de medidas judiciais por crime de opinião contra blogueiros e cidadãos comuns, alguns deles retratados no prestigiado blog do professor da Tulane University (EUA) Idelber Avelar, O Biscoito Fino e a Massa. Lá de pode tomar ciência que o presidente da Comitê Olímpico Brasileiro, Carlos Arthur Nuzman, solicitou abertura de inquérito contra o advogado e ex-atleta Alberto Murray Neto, que questiona práticas do COB relativas a contratos publicitários e folha de pagamento; que a escritora Leticia Wierzchowski (A Casa das Sete Mulheres) processa o blogueiro Milton Ribeiro por conta desta resenha; e que, como explica Ariela Boaventura, o professor de Biblioteconomia e de Comunicação da UFRGS Wladimir Ungaretti, que mantinha o blog Ponto de Vista e questionou a autenticidade do trabalho de um fotojornalista, por ele apelidado de Fotonaldo e chamado de ‘cascateiro’.
Defesa jurídica da blogosfera
Sem entrar no mérito de cada um dos casos, convém notar que eles revelam o quão precários são os mecanismos de defesa institucional dos blogs de crítica política – setor que vem crescendo de forma exponencial nos últimos três anos e que trouxe respeitabilidade e grande volume de informação crítica a uma ferramenta virtual que era até então tida como espaço para construção de diários virtuais de adolescentes.
Os episódios evidenciam, ainda, a necessidade de alguma forma organizada de representação dos blogueiros independentes, sobretudo no sentido de se constituir uma malha de proteção jurídica à atividade, como sugeriu o próprio Trässel, ao comentar a decisão de fechamento do A Nova Corja:
‘Desde o primeiro processo iniciado contra a Corja, cristalizou-se em meu ponto de vista a necessidade de uma organização como a Eletronic Frontier Foundation no Brasil. Seu objetivo seria a educação da sociedade quanto aos direitos e deveres do cidadão na Internet e também o apoio técnico e jurídico a repórteres amadores e demais vítimas de litigância de má-fé e outras injustiças’.
Talvez não seja possível aguardar tanto tempo. A despeito do temor de alguns blogueiros de que alguma forma de representação coletiva venha a comprometer sua independência, torna-se cada vez mais urgente, devido à profusão de processos judiciários contra blogs e ao intervalo cada vez menor entre eles, a montagem de uma rede de proteção jurídica a curto ou médio prazo. Ela poderia ser erguida, por exemplo, com a participação de advogados voluntários, ligados ou não a ONGs e universidades, mas cientes da importância do papel da blogosfera independente e dispostos a contribuir com seu tempo e saber jurídico da mesma forma generosa e gratuita que tantos blogueiros se dedicam às atividades de pesquisa e redação.
Do contrário, é isso: um blog que teve grande importância na denúncia dos desmandos no Rio Grande do Sul durante a ‘administração’ Yeda – fornecendo, ainda, uma visão crítica do papel da monopolizada mídia gaúcha – fecha ante os primeiros processos judiciais. Não é a primeira e muito provavelmente não será a última vez que isso acontece.
Com efeito, seria muita ingenuidade achar que os poderosos e os corruptos, acostumados há décadas a usufruir das benesses do poder ao seu bel prazer – não raras vezes encobertos pelo silêncio cúmplice da grande imprensa –, iriam ficar inertes vendo suas falcatruas e jogadas sujas serem reveladas por franco-atiradores que atuam de graça ou, em alguns casos, auferindo rendimentos mínimos.
Limites legais para a crítica
Por outro lado, quem se presta a manter um blog deve, evidentemente, estar ciente de que, a despeito de a Constituição garantir, em seu quinto artigo, liberdade de expressão, há limites legais que regem tal direito, especificamente os artigos de 138 a 145 do Código Penal. Crítica fundamentada, sim; agressão gratuita, não. É preciso ter em mente, ainda, que o dono do blog é co-responsável legal pelo que é publicado em sua caixa de comentários. Mesmo se todos esses cuidados forem tomados, nada garante, no entanto, que o blogueiro deixe de ser vítima de litigância de má-fé.
Agrava esse quadro as suspeitas, divulgadas por Luis Nassif na mesma quinta-feira (6/8), de que políticos estariam contratando profissionais de troll (provocação agressiva) para atuar diuturnamente contra blogueiros e colunistas. Com a tendência ao acirramento dos ânimos à medida que se aproximam as eleições de 2010, a internet tem grandes chances de vir a se tornar campo de batalha em que acusações caluniosas, uso massivo de troll e até práticas piores serão utilizadas visando acirrar os ânimos e criar condições propícias à litigância de má-fé.
Portanto, se nada for feito para garantir ao menos a certeza de defesa jurídica, a blogosfera política independente e crítica – que, diante dessas circunstâncias, tende a encolher – vai repetir o que acontece no universo do grande capital que tanto critica: blogueiros que são suportados por portais ou que, devido à alta audiência e longevidade na rede, já constituíram suas próprias redes informais de proteção jurídicas, tendem a sobreviver; a massa de neófitos e de independentes que lutam para conquistar um espaço ficará jogada aos tubarões da litigância.
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Jornalista e cineasta, doutorando em Comunicação pela UFF; seu blog