Os jornais acompanham o julgamento, no Supremo Tribunal Federal, dos réus no caso chamado de “mensalão” como se fosse uma luta de boxe. Ou, para ser mais atual, uma dessas disputas de vale-tudo que fazem muito sucesso na televisão.
Depois de comemorar a assertividade do voto do relator, ministro Joaquim Barbosa, que pediu a condenação do publicitário Marcos Valério e seus parceiros no suposto desvio de recursos do Banco do Brasil, a imprensa recebe com elogios a confirmação dos votos pelo ministro revisor, Ricardo Lewandowski.
Até aqui, o relator e o revisor coincidem no entendimento de que houve peculato e lavagem de dinheiro em operações fictícias de serviços de publicidade para a Visanet, operadora de cartões de crédito que tem o Banco do Brasil como um dos sócios.
Pelo que se lê nas edições de quinta-feira (23/8) dos jornais é convicção geral de que o STF vai acabar condenando todos os acusados, como consequência da confirmação da ilegalidade das transferências de recursos para a agência de publicidade do mineiro Valério. O noticiário se assemelha muito aos antigos placares de corridas de cavalos, com articulistas fazendo suas avaliações sobre as chances deste ou daquele acusado e sobre o desempenho esperado de cada um dos ministros que ainda irão votar.
Com uma diferença: nas corridas de cavalos, ontem como hoje, todos os envolvidos, dos jóqueis aos apostadores, conhecem as regras. No caso do julgamento em questão, surpresas e indefinições são sintomas de funcionamento instável da Justiça.
Idas e vindas
A atitude da imprensa, ao demonstrar que não esperava uma sintonia tão ampla entre o relator e o revisor, celebrando sem disfarces as duas votações, é apenas mais uma demonstração de que os grandes jornais saíram da bancada dos credenciados e se misturaram à torcida.
Mas a outra questão que corre por fora no julgamento, ou seja, a hipótese de que o ministro Cezar Peluso não terá tempo para dar seus votos porque deverá se aposentar no começo de setembro, se junta a outros fatos que podem deslustrar o que vier a ser a decisão final.
As indefinições já começaram pelo procedimento definido pelo relator, que achou mais conveniente “fatiar” o processo, surpreendendo os advogados de defesa e instaurando um estado de volatilidade que, segundo analistas, pode prejudicar a incolumidade da sentença.
O outro fator de instabilidade é a especulação em torno do comportamento do ministro Peluso. A imprensa deu vasta divulgação à hipótese de que, tendo que se aposentar quando completar 70 anos, no dia 3 de setembro, o ministro não terá tempo de dar seu voto na maioria das “fatias” em que foi cortado o processo. Deixará provavelmente de julgar os réus mais importantes, como o ex-ministro José Dirceu. Até a última quarta-feira, os jornais apostavam que ele faria uma antecipação de seus votos, uma vez que, muito certamente, já teria uma opinião formada sobre tudo.
Acontece que a Justiça não pode funcionar com esse grau de subjetividade. O voto de cada ministro não se configura apenas pela leitura dos autos, mas amadurece no próprio debate que se segue às ponderações de cada um dos julgadores.
A declaração de Cezar Peluso, por meio da assessoria de imprensa do STF, de que ainda não havia decidido se votaria apenas o que estivesse em pauta até o dia de se aposentar, ou se poderia antecipar alguns ou todos os votos, reduziu mas não eliminou as incertezas. E o comportamento da imprensa, ao dar curso a essas idas e vindas, não contribui para forjar na opinião do público um grau elevado de confiança na Suprema Corte.
Balanço final
As primeiras condenações encaminhadas pelo relator e o revisor, que apanham os operadores mais periféricos do caso, foram entendidas pelos jornais como um sinal de que o Tribunal, como um todo, irá seguir essa mesma interpretação.
No entanto, a expectativa maior, tanto da imprensa quanto da sociedade, gira em torno de outros personagens e da hipótese de que as ações de Marcos Valério e seus parceiros operacionais estavam relacionadas a um amplo esquema de compra de votos no Congresso Nacional, mediante o pagamento mensal de propinas a parlamentares.
Esse é o roteiro desenhado pela imprensa desde os primeiros momentos do escândalo. No entanto, assim como a sintonia entre relator e revisor surpreendeu festivamente a imprensa, tudo pode ser diferente na reta final.
As decisões que se seguirão nos votos dos ministros da Suprema Corte poderão coincidir com a versão construída pelos jornais para os fatos. Mas, se ao final do julgamento, o STF concluir que não houve um “mensalão”, mas um episódio recorrente de desvio nas práticas de financiamento de campanha, uma das duas instituições terá perdido alguma credibilidade: a imprensa ou a Justiça. Ou ambas.