Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

As ‘negociações’ no Estado brasileiro

A mídia tem comentado intensamente a mais recente crise entre o PMDB e o governo. A rejeição da medida provisória que criaria a Secretaria Especial de Planejamento de Longo Prazo, segundo alguns jornalistas, é interpretada como uma sinalização ou protesto decorrente do descumprimento de ‘acordos’ entre o governo e o PMDB. Cargos e funções de ‘alto escalão’ na máquina do Estado – incluem-se aí as empresas estatais, agências, autarquias etc. – eram prometidos a indicados do PMDB e acabaram por serem recentemente ocupados por pessoas relacionadas com o PT.

Escutamos e lemos detalhes como, por exemplo, que postos na Petrobras já teriam sido solicitados pelo PMDB, mas acabaram ocupados por indicados de uma ministra petista.

Essa forma de ‘costurar’ o apoio político ou a base parlamentar com o fim de viabilizar o que chamam de governabilidade, ou seja, uma maioria na Câmara dos Deputados e no Senado que facilite a aprovação dos projetos de interesse do governo, não é nova e tampouco foi criada a partir da eleição que levou o PT ao poder. Daí o assunto ter, de certa forma, sofrido um processo de banalização. Tais acordos foram incorporados ao cenário da cobertura política nacional como se não tivessem esbarrando em maiores restrições éticas ou morais.

Qual o motivo?

A mídia comenta o assunto, aponta os cargos e postos, e tenta explicar as contrariedades relacionadas ao não atendimento das solicitações e acordos. Logo o assunto já não é mais ‘quente’ e voltamos a ler a respeito somente quando a chamada ‘base aliada’ do governo, contrariada por não ter sido atendida em suas indicações, demonstra o seu desacordo juntando-se à oposição para não aprovar medidas de interesses do Planalto.

Trata-se o assunto em sua superficialidade. O primeiro problema que se apresenta e se deveria questionar é a real aptidão dos indicados políticos aos cargos públicos. Boa parte dos cargos ‘postos em negociação’, em tese demandaria de seus ocupantes uma formação e especialização técnica específica. O segundo e fundamental problema a ser analisado é o real interesse envolvendo a ocupação desses cargos e postos.

Levando-se em consideração que, na maioria dos casos, a iniciativa privada remunera bem melhor que o Estado, que os cargos de confiança e os demais cargos que são barganhados nessas situações de negociações políticas têm ‘prazo de validade’, ou seja, o ocupante do cargo não adquire exatamente um emprego que prescinde de concurso público, mas, sim, um posto temporário cuja permanência normalmente coincide com a permanência do chefe do executivo no poder, o que exata e claramente os políticos pretendem indicando sua gente? Qual é a razão motivadora que leva um profissional do mercado de trabalho a abandonar suas atividades e, por um período de um par de anos, um pouco mais, um pouco menos, ocupar tais funções públicas reconhecidamente voláteis?

Cargos negociados

Uma pequena parte deles pode ser motivada por simples altruísmo. Acreditam na obtenção do bem comum por meio de um certo voluntariado desinteressado. Outra pequena parte pode dizer respeito a gente já aposentada ou não empregada. Existem também os políticos ‘profissionais’ não eleitos. E há ainda os que já são funcionários públicos, com garantia de retorno à antiga atividade profissional ao término da função, e a chefia proporciona currículo e um aumento dos vencimentos.

Tirando esses mencionados, como explicar o interesse e a presença de profissionais liberais bem-sucedidos em seus respectivos mercados de trabalhos, que de uma hora para outra aceitam essa ocupação temporária e incerta? Que empresas privadas admitem ou garantem a vaga, o retorno certo, de seus executivos e empregados que saem por tempo indeterminado para o exercício de uma função pública?

Considerando a situação difícil do mercado de trabalho em praticamente todos os ramos profissionais, tal abandono não é cogitado pela imensa maioria das pessoas empregadas na iniciativa privada.

Dessa forma, então, o que leva, quais são os reais interesses daqueles que saem de seus bons empregos para ocupar os cargos negociados pelos partidos? Se o interesse não é o natural, de mercado – a perspectiva de um aumento de salário –, e sim o oposto, quais são as reais vantagens de ocupar esses postos extremamente disputados?

Eis aí uma boa pergunta para os jornalistas que comentam o dia-a-dia da política.

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Historiador