Por ele choram sua família, seus amigos –os célebres e os de toda a vida–, seus colegas, seus leitores daqui e de lá, os jovens que buscavam seu autógrafo em cada ocasião pública. Por ele choram também seus vizinhos, as donas de casa e os trabalhadores de todas as partes. E os paroquianos do bar El Cairo, o histórico ponto de encontro com suas más companhias, nas palavras de seu grande amigo Joan Manuel Serrat.
Por ele choram também as mulheres de sua cidade, cuja beleza sempre elogiou, e os torcedores canalhas, como são conhecidos os seguidores do Rosário Central, do qual foi um fanático.
Ontem [10/7], aos 62 anos, às 3 da tarde, se foi Fontanarrosa, vítima de uma esclerose lateral amiotrófica que há mais de um ano o imobilizou em uma cadeira de rodas. Seu corpo foi velado na Cochería Bassi, a pedido de sua família, embora a prefeitura rosarina tenha oferecido o Palácio Municipal. Os seus não quiseram flores no velório, mas doações para entidades voltadas ao bem público, como el Negro Fontanarrosa teria preferido. Hoje, ao meio dia, será sepultado no Cemitério Parque da Eternidade, de General Baigorria.
Humorista, desenhista e escritor, com um engenhoso olhar sobre a realidade, Fontanarrosa criou personagens memoráveis como o gaúcho Inodoro Pereyra e Boggie, el Aceitoso.
Nasceu em 1944. E como ele mesmo escreveu em seu website ‘era domingo e o parto foi normal, salvo pelo detalhe de que o bebê resultou negro e canalha’. Em sua vida uniu sua paixão pelo futebol com o humor gráfico e a escrita, que estampou em seus livros El mundo ha vivido equivocado , La mesa de los galanes , No sé si he sido claro , Nada del otro mundo , Los trenes matan a los autos , El mayor de mis defectos , El rey de la milonga e os romances Best seller, El área 18 , La gansada e várias recopilações de suas historietas.
Prêmios e distinções
Dizia de si, com humor e sentido comum: ‘De mim, no máximo, se dirá possivelmente que sou um escritor cômico. E está correto. Não me interessa demasiadamente a definição que se faça de mim. Não aspiro ao Nobel de Literatura. Me dou por muito bem pago quando alguém se aproxima de mim e me diz: me caguei de rir com teu livro ‘.
Quando seus amigos resgatam do Negro Fontanarrosa sua humildade e sua completa ausência de maldade, sobretudo, fica dito que em sua humanidade esteve sua maior grandeza, muito além de seu talento intuitivo para captar a cultura popular e essa espontânea naturalidade para fazer seus leitores rir de maneira larga e franca.
Ainda que não tivesse uma formação tradicional, suas obras alcançaram um lugar de honra entre os escritores mais populares, e seu matiz argentino e ‘futebolístico’ foi celebrado. Entre suas influências reconhecia Oesterheld, Salgari, Jack London, Cortázar, Vargas Llosa, Borges, Hemingway, Capote, Mailer. Havia lido a todos com devoção.
Recebeu numerosos prêmios e distinções. Há uma semana, Andreani emitiu uma obreia postal em sua homenagem. Fiel a si próprio, Fontanarrosa agradeceu: ‘É raro aparecer em um selo, reservada habitualmente aos próceres. Em relação à posteridade… é relativa. Durará o que dure a cola’.
Festa nas ruas
Em 2004, o escritor interveio no III Congresso Internacional da Língua Espanhola e dedicou sua exposição aos palavrões, com uma piada dedicada ao moderador, José Claudio Escribano: ‘Nota-se que esta mesa é polêmica porque é a única à qual designaram um escrivão para que controle o que se diz nela’. E arrematou: ‘Por que as palavras viram palavrões? Por acaso agridem as boas ou são de má qualidade? Deterioram-se quando a gente as pronuncia ou se opõem à moral?’
No final de uma celebrada palestra, Fontanarrosa disse: ‘Peço uma anistia para os palavrões e que os incorporemos à linguagem porque vamos necessitar deles’.
Em janeiro de 2006 fez o Teatro Heredia, de Cartagena das Índias, explodir de emoção e aplausos, quando as celebridades assistentes do Hay Festival de Literatura – entre as quais estavam Gabriel García Márquez, o britânico Hanif Kureishi, os espanhóis Enrique Vila Matas e Fernando Savater, e o argentino Edgardo Cozarinsky –, que o elegeram como o melhor entre todos eles.
Comovido, el Negro Fontanarrosa, disse então: ‘Muito obrigado… em nome do povo argentino. É certo que em Rosário haverá festa nas ruas’. E sua cidade lhe rendeu um tributo digno de um herói, vencedor de toda a adversidade.
Assim será para sempre.
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