Uma minúscula parcela da imprensa esportiva brasileira tem preferido atacar a honra e a dignidade de técnicos e jogadores de futebol a analisar o desempenho tático e técnico desses profissionais dentro dos gramados. Virou rotina repórteres, comentaristas e narradores terem técnicos ou jogadores como seus desafetos, tudo por conta de rusgas de cunho pessoal.
O fato que mais me chamou a atenção nos últimos dias, dentre vários que presenciei, foram as declarações destemperadas do comentarista Flávio Prado, da Rádio Jovem Pan e da TV Gazeta, sobre o atacante Robinho. Antes da partida do Brasil contra o Chile, pelas eliminatórias para a Copa de 2010, Prado desafiou o jogador do Manchester City a pedalar na casa do adversário, onde os chilenos são difíceis de serem batidos e onde o jogo é bem mais pesado.
E o comentarista completou: ‘Quando ele (Robinho) encarava o Lugano (ex-zagueiro do São Paulo), jogava de falso ponta-esquerda para se esconder.’ Lugano tinha a fama de jogar duro, às vezes até com deslealdade. Mesmo depois da ótima apresentação no Chile, Prado não se conformou, afirmando que ‘os homens jogaram no Chile, e os moleques se esconderam’, último período usado para qualificar o ex-atacante do Santos.
Viu ‘outro jogo’
Robinho pode ter seus problemas de conduta. É influenciado por Wagner Ribeiro, um empresário que lhe rende cifras altíssimas, mas que lhe tira a alma e a identidade com a torcida e os clubes, transformando-o num andarilho em busca da consagração de se tornar o melhor do mundo.
Isso, no entanto, não dá direito a um jornalista de começar uma espécie de jornada particular, para não dizer perseguição, sem razão de ser, porque jogador A ou B deixou de comparecer ao seu programa. Robinho foi um desses atletas que não puderam participar do programa apresentado por Flávio Prado, na TV Gazeta. Isso ocorreu há mais de três anos.
De lá para cá, o jogador tem sido vítima dos comentários ásperos de Prado. Revanche infantil, que a torna mais feia ainda pelo fato de o jornalista responder a um telespectador dizendo ter visto outro jogo, quando indagado sobre a boa partida que o Robinho fez no Chile. Se não foi brilhante, a atuação do atacante contribuiu muito para a vitória da seleção.
Um basta à hipocrisia
Prado é conhecido por sua postura de estar sempre em atrito com estrelas, sejam jogadores ou técnicos. Até o mestre Telê Santana foi alvo de críticas pessoais do comentarista paulistano, acusando-o de ter sido pivô de um tumulto envolvendo os jogadores Edmundo e André Luís, anos atrás, num clássico paulista entre São Paulo e Palmeiras. Justo Telê, considerado técnico disciplinador e defensor do futebol jogado sem violência.
Humildade faz muito bem. Reconhecer os fatos quando estamos errados também é sublime. Ao invés de atacar jogadores de forma pessoal, gostaria de vê-lo opinando sobre a atual administração do Santos, os anos de feudalismo vigentes por lá, o golpe no estatuto do clube. Estatuto, diga-se, elaborado por Carlos Miguel Aidar, ex-presidente do São Paulo, cidadão que em nada se identifica com o clube da Baixada por razões óbvias.
É preciso dar um basta à hipocrisia que envolve a imprensa de um modo geral. Que o jornalista fale do clube, da instituição. Que sua atuação com o microfone em punho se limite a analisar o comportamento profissional do atleta e do técnico, nas quatro linhas, deixando as questões pessoais para serem tratadas e julgadas por quem é de direito.
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Analista de suporte, São Paulo, SP