Como seria a descrição do papel da mídia na sociedade feita pelas editorias da grande mídia? Seria realista, expondo e levantando discussões sobre os problemas e dificuldades da imprensa atual? Ou seria algo caricato?
O economista Carlos Alberto Sardenberg escreveu, em um artigo publicado no jornal O Estado de S.Paulo (19/11) e em seu próprio site, uma crítica ao socialismo na América Latina em geral, que, segundo ele, só é levado a sério por aqui, dizendo ainda que marxismo e socialismo são história morta. Depois, o colunista comenta uma prova do Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes), do Ministério da Educação, acusando-a de ter um viés esquerdista. E, para provar a tendência esquerdista do tal exame, cita uma questão sobre o papel da mídia em sociedades democráticas. A questão pede para o estudante desenvolver uma dissertação a partir de três enunciados. Sardenberg cita dois: uma entrevista com Noam Chomsky dizendo que ‘a mídia [assim, no geral] é um instrumento das classes dominantes, do capital, para manter a exploração e bloquear, de modo sutil e subliminar, a circulação de `idéias alternativas e contestadoras´’ e o enunciado a seguir o colunista até classifica de ‘maroto’ por se tratar, segundo ele, de uma caricatura ‘bonitinha’ sobre o papel da mídia.
‘A mídia vem cumprindo seu papel de guardiã da ética, protetora do decoro e do Estado de Direito. Assim, os órgãos midiáticos vêm prestando um grande serviço às sociedades, com neutralidade ideológica, com fidelidade à verdade factual, com espírito crítico e com fiscalização do poder onde quer que ele se manifeste.’
O lado certo
Sem querer aqui discutir se a prova do Enade tem ou não uma tendência esquerdista, esta última definição chamou atenção por haver grande semelhança com o que as editorias dos jornalões nos passam, em seus textos ‘imparciais e comprometidos com a verdade factual’, muitas vezes apontando e dizendo o que é democracia e o que não é democracia.
Recentemente, com o referendo na Venezuela e o processo de mudanças constitucionais na Bolívia, a mídia mainstream passou a fazer dissertações sobre o que é democracia. Os jornalões usaram e abusaram de termos como ‘princípio básico da democracia’, ‘sem isso não há democracia’, ‘isso não é democracia’, ‘para se ter democracia precisa disso…’, beirando muitas vezes a pieguice, como se fossem realmente os ‘guardiões dos princípios democráticos’ da sociedade.
Faltou respeito por parte da grande imprensa, no caso da Venezuela, por nem sequer esperar o resultado do referendo para analisar e discutir a vontade da maioria, pois desde que foi marcado este último referendo, praticamente toda a grande imprensa já tinha decidido qual era o lado certo, o lado da democracia, sem ao menos se levantar um debate sério sobre o assunto.
Alguma semelhança
Os grandes órgãos de mídia estão sempre cobrando ética – principalmente em escândalos envolvendo políticos –, mesmo se eles próprios utilizam métodos como espionagem, omitir fatos que possam desagradar seus anunciantes e até ser beneficiado ao receber exclusividade em coberturas de ações policiais, algo condenável, tanto para a polícia, quanto para um órgão midiático que sempre cobra ética. Infelizmente não fazem autocrítica, talvez por acharem que seja coisa de comunista.
Enfim, a descrição do papel da mídia em sociedades democráticas, posta em exame, se não é exatamente o que ela acha que exerce, pelo menos passa muito perto. Lendo esta definição, acho que a maioria vai perceber alguma semelhança com alguma chamada de qualquer telejornal das grandes emissoras de TV, editorial comemorativo exaltando os serviços prestados à sociedade ou até um comercial de algum dos nossos jornalões. Eis aí um verdadeiro auto-retrato da nossa grande mídia.
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Técnico em telecomunicações, Queimados, RJ