Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Autorreferencialidade, estratégia mensurável?

“Olha, leitor, o que a nossa equipe faz por você.” A frase é singela, mas esse é o espírito do conceito de autorreferencialidade: atrair a atenção do cidadão através da estratégia de apresentar-lhe os bastidores da notícia. É como trazê-lo para dentro de casa e confiar-lhe os segredos da produção de uma notícia, de um telejornal, de uma novela. Como bem observa Fausto Neto, “já não se trata de falar das realidades construídas segundo suas estratégias de enunciação. (…) Os mídias passam a produzir referências sobre si mesmo”.

Mas não vamos ser ingênuos e achar que essa abertura não é controlada: mostra-se quase tudo, mostra-se aquilo que, dentro dos critérios para aumento da audiência, seria suficiente para ganhar a confiança do leitor. No ambiente atual, quando a midiatização se faz cada vez mais presente em nosso dia-a-dia, permitindo chegarmos à informação por outras vias além das mídias tradicionais e com uma escala de tempo muito diferente do que a sociedade dos meios estava acostumada, se faz necessário o desenvolvimento de uma nova metodologia para manter o leitor junto. E dar-lhe acesso às ferramentas de produção foi uma das estratégias encontradas.

No meio televisivo, isso não é assim tão novo: o que são os making-of dos filmes, por exemplo, se não uma autorreferencialidade? Pinceladas de autorreferencialidade permearam toda a cobertura da Rede Globo sobre as enchentes na região serrana do Rio de Janeiro. Era só chamar alguns dos repórteres que cobriram a tragédia para contar a experiência (no meio do telejornal, vale frisar, e não em um programa específico) e pronto, lá estava a mensagem: “Veja como nossos repórteres se sacrificaram para levar a notícia até você.”

É possível mensurar?

No meio impresso, destinar um espaço para essa estratégia já não é assim tão fácil e o local escolhido, em geral, é a página editorial. Aquela reservada para uma conversa mais tête-à-tête com o leitor. A revista Ana Maria, da Editora Abril, é um bom exemplo dessa tal estratégia. Sempre que a foto da capa da publicação é produzida pela revista (em geral, a imagem é comprada de agências), Ana Maria faz questão de contar para sua leitora como foi todo o processo de produção e todo o esforço para apresentar à leitora uma capa com foto exclusiva. O discurso implícito seria mais ou menos assim: “Olha leitora, a nossa revista tem tanta credibilidade que a Vera Fischer conseguiu um tempo na agenda dela para ser fotografada por nossa equipe.” Ou ainda: “Olha o trabalhão que dá fazer uma capa. Olha quanta gente envolvida!” E assim por diante.

Em alguns casos, a autorreferencialidade parece ser totalmente desnecessária, não servindo nem para matar a curiosidade do leitor. Na versão para iPad, a revista Mundo Estranho de maio (2011) apresenta ao leitor nada menos do que nove possibilidades de capa que foram cogitadas durante a produção da publicação. Algumas são tão parecidas umas com as outras que fiquei com a impressão de que a revista estava propondo um jogo de 7 erros! Ou seja, não bastou dizer como foi feito, foi preciso quantificar. Eliseo Verón, em 1985, já destacou o quanto a quantificação é usada pela mídia para estabelecer e manter o laço com o leitor.

Enfim, a autorreferencialidade tem o seu valor e por vezes aproxima jornalismo e entretenimento. O que me pergunto é se já foi possível mensurar a eficiência dessa estratégia para fidelizar o cidadão. Qual a influência, no contrato de leitura de Ana Maria, de uma capa comprada em agência e de uma capa produzida pela revista? Em que nível quantitativo e qualitativo isso é percebido pela leitora?

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[Bianca Alighieri é jornalista, Rio de Janeiro, RJ]