Além de informar, a mídia possui outro importante papel, o de rever o passado, apontando erros e contribuindo para que estes não mais ocorram no futuro. Não é o que acontece e, portanto, erros pretéritos se repetem. Na década de 90, uma estrela surgiu em todos os jornais e revistas. O capixaba Wolmer do Nascimento, então radicado no Rio de Janeiro e funcionário da Fundação Estadual de Bem-estar do Menor, tornou-se em pouco tempo a figura mais vista, mais entrevistada, e mais requisitada em programas de rádio e TV.
Porta-voz e presidente de uma organização não-governamental denominada de Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua, Wolmer recebia quase diariamente grandes espaços diários na mídia e seu mote principal era a existência de um movimento secreto, financiado por empresários e grande parte da sociedade, com o propósito de exterminar menores abandonados. Apoiado pela Anistia Internacional, Wolmer e seu grupinho de amigos, financiados com o dinheiro público, coletavam diariamente notícias sobre a morte violenta de pessoas com até dezoito anos. Desconsiderando os casos individualmente, listava os números, apresentava à imprensa e demonstrava sua certeza na barbárie apontada: a elite queria se livrar dos pobres meninos de rua, através do extermínio. Aliás, foi assim que ficou nacionalmente conhecido – como o denunciante do extermínio que transcorria.
Ele e a princesa Diana
Não satisfeito com o sucesso repentino, Wolmer e seus amigos inventaram a história de que ele passara a receber ameaças de morte acompanhadas de uma ordem: ‘É melhor você ficar calado.’ A mídia entrou em alvoroço. ‘Defensor dos meninos de rua é ameaçado’; ‘Denunciante do extermínio de menores corre risco de morte’; ‘Wolmer diz que não tem medo da morte’; ‘Wolmer afirma: vou até o fim’. Estas e outras manchetes abriram as primeiras páginas de muitos jornais de norte a sul do país. O governo passou a ser responsabilizado pela integridade física de Wolmer e, acuado, determinou que a Polícia Federal passasse a fazer a segurança pessoal da estrela. Após dois meses, os federais desconfiaram das tais ameaças e não se sentiram muito bem no papel de fantoches.
A rotina de Wolmer em nada indicava que fosse um grande candidato a cliente do IML. Freqüentava casas noturnas na zona portuária do Rio de Janeiro, desfilava em shoppings e não demonstrava receio algum com sua segurança. Logo a Polícia Federal chutou a bola para a Polícia Militar, a qual não aceitou o encargo. Tinha mais o que fazer. Nesse meio tempo, a princesa Diana agendou uma visita ao Rio de Janeiro, e entre outros compromissos, iria comparecer à Fundação São Martinho, na Lapa, instituição que cuida de meninos e meninas de rua. Wolmer se candidatou a receber um crachá especial, o qual daria direito de ficar ao lado da princesa de Gales. Como os ingleses não são bobos, mandaram uma equipe precursora do MI5, o serviço secreto inglês, a qual analisou um a um os convidados e concluiu que não ficava bem Diana aparecer ao lado de um charlatão. Wolmer foi cortado.
Não era bem assim…
Quase imediatamente, Wolmer seria misteriosamente seqüestrado. O pandemônio se instalou. Um jornal carioca publicou duas páginas inteiras com a manchete: ‘Cabra marcado para morrer’. Todos os demais embarcaram na onda. Ninguém, absolutamente ninguém, questionava coisa alguma. Os órgãos de segurança foram praticamente invadidos pelos amigos de Wolmer, os quais exigiam solução rápida e ameaçavam: se algo acontecer a Wolmer, toda a responsabilidade será de vocês. Tanto a Polícia Federal, como a civil e militar, passaram a investigar o misterioso seqüestro. Wolmer teria sido seqüestrado em pleno centro do Rio de Janeiro quando se dirigia sozinho à 4ª delegacia policial a fim de socorrer um menor que ali estaria sendo torturado. Um pequeno detalhe chamou a atenção de todos os investigadores: nenhum amigo ou parente de Wolmer demonstrou nervosismo ou preocupação. Logo surgiu a suspeita de mais uma armação.
Diariamente, a mídia estampava notícias sobre o seqüestro e a falta de solução, quando de repente, não mais que de repente, Wolmer apareceu. Havia fugido do cativeiro quando era levado para a execução, segundo seu relato na Polícia Federal. Eram, segundo disse, cinco homens. Eles o colocaram em uma Kombi e pararam para discutir como seria a execução. Aproveitando-se da distração, Wolmer saiu correndo e conseguiu salvar-se. Não sabia onde havia sido seu cativeiro, estava com barba feita, bem vestido e aparentemente descansado, pois fora muito bem tratado pelos seus algozes. Uma verdadeira sorte.
Entre as centenas de amigos que compareceram à sede da Polícia Federal a fim de prestar apoio, somente um mostrou-se desconfiado. Era o deputado Chico Alencar. Não apreciou o que foi dito por Wolmer e, um tanto chateado, saiu de fininho, dando rápidas declarações ao batalhão de repórteres e cinegrafistas que ali se encontravam. Durante as investigações do ‘seqüestro’, descobriu-se que Wolmer não era assim tão correto. A ex-mulher se encontrava à míngua no Espírito Santo. A pensão determinada pela justiça nunca fora paga, existindo um processo de cobrança. Seus quatros filhos passavam fome. Enquanto isso, no Rio de Janeiro, Wolmer tinha um caso amoroso com uma adolescente, loira e de olhos verdes. Na ocasião, ele contava com mais de quarenta anos e sua namoradinha, dezenove. Wolmer acabou condenado à prisão.
A mídia o esqueceu. Nunca mais se falou no assunto, e a vida continuou. Hoje, outros Wolmers ocupam seu espaço nas páginas diárias, mas ninguém quer saber se se trata de fraude ou não.
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Policial civil, Rio de Janeiro, RJ