Observando como eram resolvidos os conflitos populares, cronistas, talvez inconscientemente, puseram sua pena a serviço de preconceitos elitistas e fixaram as expressões ‘armar o maior barraco’ e ‘rodar a baiana’ para designar a falta de educação e de cultura na solução de problemas de convivência em morros, favelas e em outras periferias dos centros urbanos.
Na segunda-feira (14/2), porém, mais uma vez – são incontáveis as vezes que tal recurso é empregado pela gente fina e nobre, mas raramente são registrados – irrompeu um súbito barraco onde menos a imprensa esperava: no chique Castelo de Chantilly, nos arredores de Paris, por ocasião do casamento do jogador Ronaldinho e da modelo Daniela Cicarelli.
O pivô do escândalo foi uma ex-rival da noiva na disputa por outro namorado, a também modelo Caroline Bittencourt que, na seqüência, teria recebido substancial aumento nos cachês. Como essas situações prestam-se a controvérsias e diz-que-diz-ques, logo surgiu um agente para dizer que, ao contrário, a carreira da expulsa tinha sido prejudicada.
Pois domingo (27/2), contrariando a máxima de que ‘roupa suja se lava em casa’, o Domingão do Faustão, do apresentador Fausto Silva, no bom estilo de amplificar retumbâncias de banalidades, instalou uma lavanderia em rede nacional, permitindo à modelo, entre pieguices da moça e solertes insinuações de ‘parentes serpentes’, que lavasse tudo sem água nem sabão, utilizando lágrimas apenas. E assim se fez.
Não merece…
Ninguém quer regulação imposta à imprensa – e especialmente à televisão – pois seria descabida censura, como já foi amplamente denunciado quando o ovo da minhoca vinha sendo chocado em ninho que, por mérito da imprensa, foi flagrado com o mimo sendo acalentado sob bafejos do Palácio do Planalto.
Mas de vez em quando a televisão se compraz em dar argumentos aos liberticidas. Afinal, para que exibir a vida privada, não apenas de uma pessoa, mas de várias delas, já que foi ação feita no atacado, e cobrir o imbroglio com operação digna de correspondente de guerra? Não tinha sido apenas um barraco? Ah, ‘mas é disso que o povo gosta/ é isso que o povo quer’, como rezam os que, sem procuração do povo, decidem o que é melhor para quem tem como única opção nas tardes de domingo justamente a televisão.
Fausto Silva parecia mais Gugu Liberato, quando a juíza o flagrara entrevistando personagens que não se sabia bem se eram falsos meliantes, reconhecidos bandidos ou biombos para escorar de qualquer modo o barraco da programação.
No padrão de qualidade que marca a emissora, até um helicóptero foi acionado para que o besteirol fosse exclusivo da Rede Globo. Nossa televisão é uma das mais modernas do mundo. Mas por que tanto ângulo certinho, tantas linhas de definição e iluminação perfeita se o enredo ninguém arruma?
Faltou editor no Domingão do Faustão? O Brasil não merece – para utilizar o verbo que irrompeu na gíria – o escândalo. E sinceramente, sem nenhum machismo, o único que destoava na lavanderia era o rico jogador, desjeitoso em suas declarações de amor à consorte, armadas e gravadas antes de voltar à Espanha. Sim, esse outro barraco também foi armado com a competência que caracteriza a emissora para fazer, de ninharias, matérias a partir de pautas apresentadas como pertinentes e indispensáveis.