Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Bancos embromam a presidente

 

A palavra broma tem no espanhol o significado de mingau de aveia, brincadeira e burla, entre outros, mas designa também um molusco que se agarra ao casco das embarcações, dificultando e atrasando a navegação.

Provavelmente o espanhol aproveitou o grego broma, cárie, úlcera. Temos, no português, broma e embromar. O certo é que embromar ganhou o significado de atrasar, protelar a execução de um trabalho, sem prejuízo de outros significados que lhe estão atrelados, de que são exemplos embuste, cilada, engano, tapeação, velhacaria.

Essas palavrinhas me vieram à lembrança quando a presidente Dilma Rousseff, com uma coragem que nenhum dos seus antecessores teve, resolveu enfrentar os bancos brasileiros, que cobram as taxas mais altas do mundo, sem discernir se estão diante de um cliente que é bom pagador e dá garantias de quitar os empréstimos que por vezes contrai na mesma agência onde lhe são creditados os rendimentos, principalmente se salariais.

E o que faz a mídia? Poucos deram à extraordinária notícia a atenção que ela faz por merecer. A mídia parece até envergonhada ao criticar um banco. Não se perfila ao lado da presidente numa questão que é de interesse de todos os brasileiros. Antes disfarça e quase esconde a notícia, seja no rádio, nos jornais e principalmente nos telejornais. Em resumo, embroma a questão e talvez torça para que a presidente perca a queda de braço com os bancos e eles, passado o susto, voltem a operar como antes.

Boa hora

É verdade que há mais a dizer e nem tudo o que deve ser dito e escrito é a favor do governo. O prezado leitor já experimentou processar um banco no Judiciário? Estatal ou privado, dá no mesmo. Entra para uma lista negra, tendo ou não razão, vencendo ou não o contencioso, mas, naturalmente, se vencer a demanda, a pena aplicada poderá ser perpétua, pois que no Brasil o cidadão ainda está por ser inventado e poucos brasileiros fazem jus, não a merecer o título, mas a usufruir dos direitos que a consagração lhe provê.

Em 10/3/2011, escrevi neste mesmo Observatório:

“Débitos indevidos lançados em contas de banco. Não há solução para os problemas relatados ou os prazos não são cumpridos”.

E prossegui:

“Para a história dos usos e costumes brasileiros, para um capítulo de história das mentalidades, as cartas dos leitores de qualquer periódico oferecem abundante e rico material de consulta”.

Mas é um espaço exíguo, confinado a um canto, sem que as editorias se dêem conta da gravidade das queixas. No momento em que mais brasileiros, em verdadeiros aluviões de cidadãos, acorrem ao sistema bancário, veio em boa hora a fala presidencial. Eles, embora cidadãos, por falta de organização social, são mais presas dos bancos do que dos partidos políticos.

Em conluio

Antes restava ao cidadão queixar-se ao bispo. Pois agora, sai o bispo e entra ninguém menos do que a presidente da República. Nas ruas, nos bares, nas conversas de corredor etc., o assunto está repercutindo. Mas na mídia a repercussão é pífia.

É triste constatar, mas a mídia e os bancos parecem em conluio para embromar a ninguém menos do que a presidente da República, como, antes, já embromavam o público nessas questões.

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[Deonísio da Silva é escritor e professor universitário, doutor em Letras pela USP, vice-reitor de Extensão da Universidade Estácio de Sá; seu livro mais recente é o romance Lotte & Zweig]