‘Trata-se de retirar células de um animal vivo e fazer com que se reproduzam até virar tecido muscular.’ O excerto não compõe uma sinopse de uma ficção científica ou uma crônica biotecnológica. Trata-se de uma matéria publicada no caderno de ciência da Folha de S.Paulo, em 17 de agosto de 2010. O texto refere-se ao estudo financiado pelo governo britânico e que, a partir de 21 artigos científicos, esboça um cenário em cerca de 40 anos, quando não haverá quantidade suficiente de alimentos para uma população mundial em torno de nove bilhões.
O correspondente brasileiro em Londres, Vaguinaldo Marinheiro, reporta questões sobre a contribuição da tecnologia para o aumento da produção alimentar nas décadas passadas. Contudo, o cenário futuro apresentará, segundo os especialistas ingleses, mesmo com os mais sofisticados equipamentos e técnicas, escassez de água e solo, resultando em novos conflitos sociais. A produção de carne em laboratório, por meio de reprodução in vitro de células de um animal vivo, será uma das formas de suprir os humanos carnívoros.
Mais preocupante que uma carne produzida por clonagem e intervenções genéticas é a ausência de debates acerca das nossas práticas alimentares, questionamentos sobre a distribuição e consumo mundial, agropecuária e as desigualdades e paradoxos, como a desnutrição e a obesidade.
Incentivo à agricultura familiar
O site Water footprint mensura a quantidade de água consumida na produção de alimentos. A cada quilograma de carne bovina são necessários assustadores 16.000 litros. O quilo do frango dispende cerca de 3.900 do líquido vital. Em contraposição, a mesma quantidade em grãos de soja gasta doze vezes menos, um total de 1.300 litros. O que isso significa? De que forma as escolhas de nossos pratos interferem no equilíbrio sócio-ambiental?
Não se trata de ecoterrorismo, amargura ambiental ou uma abolição do consumo de carne. O que temos aqui é a chance de refletir sobre os nossos projetos de humanidade, a responsabilidade global e os debates em torno do combustível da ‘máquina humana’.
Vivendo em um estado marcadamente agroindustrial, assustei-me ao fitar em gôndolas de supermercados goianienses soja beneficiada: extrato e proteína texturizada exportadas. Ora, por onde andam os grãos de nossa terra? Em navios rumo ao ‘norte’? E por mais que argumentos e dados econômicos nos seduzam de imediato, é urgente articular e absorver os conceitos de sustentabilidade, não deixando tal palavra apenas no plano das ideias do marketing de muitas empresas.
O incentivo à agricultura familiar, local, em contraponto ao modelo intensivo dos agronegócios, pode constituir-se uma das alternativas ao cenário que se esboça. Ao invés de materializar a profecia da carne em laboratório, que tal olharmos para o que vamos pedir daqui a pouco, em nossa pausa para o almoço?
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Professor universitário, graduado em comunicação social e mestrando em cultura visual pela Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO