Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Bocas de velcro

Houve um tempo em que as redações quase não tinham paredes. Houve um tempo em que jornalistas trabalhavam conversando, ouvindo, com o rádio ligado e imagem na TV. Dando pitaco na pauta do vizinho, ás vezes enchendo o saco com bobagens mas na maioria das intervenções contribuindo para melhorar a matéria do colega. Houve um tempo, meio romântico e atrasado, como muitos vão entender, é evidente, em que jornalista não trabalhava em salinha feito contador, feito barnabé. Mas houve este tempo.


E nesse tempo se criaram grandes feras do jornalismo nacional. Aliás, dos que estão em ação ainda hoje, nas melhores telinhas e nas mais acreditáveis páginas, muitos viveram este tempo e jamais chegarão a entender o ‘silêncio profissional’ que rola na maioria das redações de jornais de hoje em dia. Eles sabem que um simples burburinho muitas vezes virava pauta e que uma bobagem audível virava piada mas não saía como notícia.


Como a tecnologia internética, cibernética e nanonanicotécnica tem sido colocada em boa instância no banco dos réus da má qualidade do jornalismo atual que se pratica no país, (que não é tanta assim!), é bom a gente começar a detalhar um pouco os porquês e se realmente essas éticas (não a ética) têm ou não realmente culpa no cartório. Este preâmbulo meio idiota serve apenas para dizer que uma das coisas que os jornalistas mais antigos – e principalmente os que viveram aqueles tempos em que falar, conversar na redação era normal e saudável – devem, como eu, manter, é uma relação de amor e ódio com esse tal de MSN, um treco que na relação dos nomes tecnológicos com ‘finais éticos’ poderia ter o nome de patético.


Milhares de despreparados


Esta coisinha é muito estranha. De vez em quando você chega perto do colega e ele clica um botão bem rapidinho fazendo sumir da tela a conversa que estava levando com alguém. É perdoável, é claro. O melhor é fazer o seguinte: se você perceber que o cara está ‘proseando no MSN’, dá uma tossidinha antes de chegar perto para depois não ficar com a pulga atrás da orelha. Isso, aliás, nem é novidade: me lembro de gente do tempo da Remington 80 que não suportava ninguém atrás de si enquanto estava fazendo uma matéria. Mas era sempre uma matéria, nunca uma conversa com alguém que pode estar a menos de meio metro de distância.


Ora , pensar o que ? Será que o cara estava me malhando? Será que estava combinando umazinha com a repórter morena? Ou seria a setorista loura? Ô, dúvida cruel. Mas quem sabe estava até fazendo bom uso da ferramenta, (ferramenta!) conferindo, por exemplo, se a mulher estava em casa ou tinha dado um passeio. Mas uma coisa acho certa: esse tal de MSN (o que será que quer dizer isso?) está ajudando e muito a aumentar a bancada do baixo clero que se formou na imprensa com o despejo de milhares de despreparados (nem sempre por culpa própria) jornalistas. Certamente não é por isso que o jornalismo impresso vai acabar. Mas a palavra falada corre sério risco.

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