A aproximação do início da Copa tem sido decisiva para fomentar a avassaladora onda de greves e protestos, sobretudo nos transportes públicos. Quanto a isso não há duvidas: é chantagem – ou sequestro de direitos das maiorias. O resgate será pago pelos contribuintes e usuários dos serviços interrompidos.
Durante os engarrafamentos, na hora das angustiantes esperas e da contabilização dos prejuízos pessoais, os prejudicados amaldiçoam grevistas e manifestantes indignados, responsáveis pelo sofrimento imposto a tantos inocentes. Porém diante da incessante repetição, a maioria pode voltar-se – ou já se voltou – contra o suposto desencadeador do caos: o Mundial de Futebol.
Irônico, ou trágico: o Evento dos Eventos foi engendrado, decidido, montado e financiado para o deleite dos mais sofridos. Justamente os mais punidos e maiores lesados pela onda de protestos e reclamações.
Lance inédito
Acostumado aos lapsos quadrienais impostos pelo torneio, sonhando com um emocionante espetáculo patriótico-futebolístico para coroar a sua vigésima edição, o brasileiro está sendo empurrado para uma situação que desconhecia sob o ponto de vista existencial – a bola dividida.
Não se trata da corriqueira disputa pelo lance, a posse da pelota, o choque de vontades entre atacante e zagueiro. Aqui se desenha algo tão intenso quanto o confronto de olhares entre touro e toureador, entre a expectativa do merecido prazer e a amargura imerecida que lhe oferecem em troca.
A resultante corre o risco de ser negativa mesmo que o caneco passe para as nossas mãos. O preço pode ser considerado demasiadamente alto, as humilhações insuficientemente compensadas e o saldo, melancólico. Ou, pior, desprezível.
Massas e multidões podem ser manipuladas (a história recente está repleta de exemplos), mas estamos falando de uma sociedade que começa a abrir os olhos, espantar-se, e ensaia livrar-se de tutelas.
O confronto promessas versus retornos, bola dividida com coração partido, é um lance novo em nossos gramados.