Chegou às bancas o Almanaque Abril. Faz 36 anos que ele se impõe como necessária fonte de consulta. Já comentei outras edições neste Observatório, apontando seus pontos fortes e eventuais falhas. A edição de 2010 traz o índice na capa. E acima do título vêm três adjetivos em letras garrafais: ‘Atualizado. Prático. Confiável’.
Vamos abrir o bichinho. No verso da capa, o apresentador e humorista Marcelo Tas, vestindo uma camiseta verde onde está escrito em letras brancas ‘Educar para crescer’, anuncia ‘9 dicas para ajudar na escolha da profissão’, explicadas assim: ‘O que você deve considerar antes de decidir sobre qual faculdade cursar’. Todas as dicas estão no imperativo: ‘Identifique, conheça-se, informe-se, converse, procure, fale, visite, evite e imagine-se’. Já que tudo e todos parecem submeter-se à mídia, há uma abundância de imperativos, isto é, de ordens a serem cumpridas!
Na ‘Carta ao Leitor’, o editor destaca que se na internet a informação está ao alcance de todos os que navegam, e de graça, ela nem sempre é confiável. E conclui assim: ‘Nossa redação entrega a presente edição com orgulho e dá uma resposta clara àquela pergunta do alto: vale muito a pena ter o Almanaque Abril 2010 em casa, no trabalho, na escola. Esperamos que você nos dê razão.’ Em ‘Literatura’, não podemos concordar, meu caro editor.
Identificar e corrigir pontos falhos
A edição de 2010 foi concluída em 18 de dezembro de 2009. Parabéns pela rapidez! Parabéns pelo conteúdo. As seções oferecem informações importantes, mas a de ‘Literatura’, agora embutida em ‘Cultura’, continua deixando o consulente inconformado. Não é possível que uma publicação da qualidade do Almanaque Abril apresente dieta tão pobrezinha e desinformada.
Dou exemplos: os três maiores prêmios literários brasileiros estão ausentes. Cadê o Prêmio São Paulo, o maior do Brasil? Cadê o Prêmio Portugal Telecom? Cadê o Prêmio Camões? Cadê o Prêmio Internacional Casa de las Americas? Onde estão os escritores brasileiros? Os mais relevantes são aqueles ali citados? Cadê os prêmios da Academia Brasileira de Letras? Cadê as efemérides?
Como escrevi em De onde vêm as palavras (Editora Novo Século, 16ª edição), a palavra almanaque veio do árabe almanakh, designando primitivamente o lugar onde os nômades mandavam ajoelhar os camelos. Enquanto homens e animais descansavam, os primeiros tratavam de trocar notícias, informações, em geral sobre o tempo, os caminhos, as safras, feitos de personagens famosos ou apenas curiosidades. Os almanaques têm mantido a estrutura original daquelas antigas narrativas, como se pode constatar no Almanach Perdurável, do século 14, e no Almanach Perpetuum, organizado em Leiria, Portugal, pelo astrônomo e historiador judeu Abraham Ben Samuel Zacuto. Sua obra foi consultada por célebres navegadores, entre os quais Cristóvão Colombo e Vasco da Gama.
O Almanaque Abril é boa fonte de consulta, mas tem todas as condições de tornar-se muito melhor se seus editores, desde já, identificarem os pontos falhos, tão poucos, e os corrigirem para a próxima edição.
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Escritor, professor da Universidade Estácio de Sá e doutor em Letras pela USP; seus livros mais recentes são o romance Goethe e Barrabás e De onde vêm as palavras