Não é de hoje que a questão que envolve censura e imprensa é muito delicada. Desde que a imprensa surgiu no Brasil, na distante primeira metade do século 19, ainda com o país dependente do reino português, o conflito entre o poder e os jornalistas é uma realidade complexa e dura. Mas nem sempre criando o maniqueísmo que anima os adeptos mais fervorosos da grande imprensa.
Não cabe aqui nos atermos à questão das lutas de classes no mercado jornalístico, mas o livro de Beatriz Kushnir, Caes de guarda: Jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de 1988 (Editora Boitempo, 1988) fornece subsídios para o debate em torno do apoio da grande imprensa brasileira à ditadura militar, considerado ainda um tabu no meio jornalístico. Um artigo de Jânio de Freitas na Folha de S.Paulo do dia 15/12/1998, ‘A imprensa e o AI-5’, também é um bom texto para debate, principalmente nas faculdades de Jornalismo em todo o país.
Os casos de censura a Jorge Kajuru e Mário Kertész são equivocados não por fazê-los vítimas injustiçadas e totalmente inocentes, mas porque se torna uma reação naturalmente exagerada do poder público, talvez motivado pela reação revoltada de pessoas lesadas.
É ingenuidade criarmos aqui um maniqueísmo polarizando uns e outros de forma positiva e negativa. A censura se torna um arbítrio, mas Kertész e Kajuru são figuras que usam a ‘polêmica’ como forma de autopromoção e eles, eventualmente, não medem escrúpulos para dizer o que querem, com a finalidade gratuita de ‘causar impacto’. Eles não são necessariamente jornalistas, mas passaram a comandar atrações ‘jornalísticas’ por terem uma boa retórica, desenvoltura e iniciativa de comentar fatos e notícias.
Terreno fértil
O grande problema da censura, em relação aos dois apresentadores, é que ela acaba lhes servindo de marketing, que se aproveitarão disso para tecer vaidades com o rótulo de ‘polêmicos’. No caso de Kertész, dizer ‘se segura, malandro’ e chamar Mata Pires de ‘gordinho’ não é, em si, uma atitude digna de censura. É, pura e simplesmente, um comentário vulgar e de mau gosto, que não merece prisão nem grandes multas, embora mereça a crítica negativa do bom senso, já que Kertész, sob o pretexto de um comentário ‘informal’, chega a ser chulo em vários momentos. O bom senso, muitas vezes, julga melhor do que qualquer condenação judicial.
A grave condenação a Kertész e Kajuru pode, dessa forma, dar a falsa impressão de que os dois sairão do episódio como heróis ou vítimas solidarizadas, o que é um grave equívoco. Nem eles e nem a Justiça aparecem na ocasião como ‘heróis’ ou ‘vilões’.
Com a condenação a esses dois, a idéia de polêmica é mais uma vez banalizada, como ocorre com qualquer fenômeno de mídia; vide, na música, o caso do funk carioca.
Em outros tempos, quando grandes filósofos escreviam suas hoje clássicas obras, a idéia de ‘polêmica’ era mais nobre. Tratava-se de idéias dotadas de lógica e argumentação se conflitarem, ambas sendo fruto de muita pesquisa e raciocínio. Correntes filosóficas se sucediam, umas superando outras, por causa de muita polêmica ao longo dos séculos.
Hoje a idéia de polêmica se perde no processo de rejeição/aceitação de qualquer fenômeno, fortalecendo egos e criando ‘heróis’ ou ‘vítimas’ sem a menor necessidade. Não raro, é a partir de situações como essas que o sensacionalismo da imprensa marrom encontra seu terreno fértil. Em detrimento da verdadeira informação e da visão objetiva dos fatos.
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Jornalista, Salvador