‘Antes do ódio se haver desenrolado por trinta segundos, metade dos presentes soltava incontroláveis exclamações de fúria. (…) No segundo minuto o ódio chegou ao frenesi. Os presentes pulavam nas cadeiras e berravam a plenos pulmões, esforçando-se para abafar a voz alucinante que saía da tela. (…) Num momento de lucidez, Winston percebeu que ele também estava gritando com os outros e batendo os calcanhares violentamente contra a travessa da cadeira. O horrível dos Dois Minutos de Ódio era que, embora ninguém fosse obrigado a participar, era impossível deixar de se reunir aos outros. Em trinta segundos deixava de ser preciso fingir. Parecia percorrer todo o grupo, como uma corrente elétrica, um horrível êxtase de medo e vindita, um desejo de matar, de torturar, de amassar rostos com um malho, transformando o indivíduo, contra sua vontade, num lunático a uivar e fazer caretas’ (George Orwell, 1984, 8a ed., São Paulo, Ed. Nacional, 1975, pag. 16 e seguintes).
Nessas minhas andanças por sites e blogs de jornalistas e artistas, constatei uma coisa: ao que parece, a consciência crítica impregnou a suposta elite formadora de opinião. Uma prova incontestável de tal criticidade revelou-se no movimento ‘Fora Sarney’, que se alastrou via Twitter com maior velocidade que o H1N1. Percebe-se, portanto, que a opinião geral, o senso-comum desfacelado dos formadores, assume o papel de incitar a ‘chutar cachorro no chão’: não se questionam as raízes das questões, o emaranhado complexo de ‘Como?’ e ‘Por quê?’ na estrutura dos fatos; como bons patrícios de Pelé e Romário, chutamos, quase involuntariamente, tudo que é jogado no chão.
A imobilidade da ação
Macacos de terno de terno e gravata, muito bem condicionados pelo reforço da caixa de Skinner, sambam conforme a música.
Em recente artigo neste Observatório, do escritor e jornalista Jorge Fernando do Santos (‘Imposto atenta contra a liberdade de informação‘), que trata do imposto sobre livros, tomei consciência de um fato: o acesso à informação, oriunda do senso-comum intelectual, e os mecanismos facilitadores da publicação de nossas opiniões criaram uma recompensa que leva à nulidade da ação prática. Diante de um fato que nos oprime, choramingamos nosso veneno em artigos espalhados por sites, blogs e jornais e dormimos de consciência tranqüila; intelectuais provincianos que se sentam numa mesa de boteco, soltam blasfêmias, enchem a cara e dormem o sono dos justos. A liberdade de expressão gera, necessariamente, a imobilidade da ação.
‘Liberdade é condicionada pelas proteínas’
Na minha opinião, vive-se um momento de banalização do discurso crítico em detrimento das ações concretas: ora, se a visão de jornalistas, artistas e intelectuais em geral penetra feito um raio-x a sociedade, por que não agir? Por que não se organizar? Tudo bem, a ditadura foi ruim, foi sangrenta, privou a liberdade, mas, senhores, parece que há um vício de ficar só no discurso: como se o tempo de mutismo causado pelos militares tivesse causado uma necessidade de falar, falar, gritar, escrever e criticar, criticar e só. Sabe o que parece? Um pai vagabundo xingando o filho vagabundo. Na minha terra, o filho responde: ‘Olha o porco falando do toucinho.’
Tem horas que faz falta um Sartre:
‘Lutarei por dois princípios conjuntos: primeiro, ninguém pode ser livre se todo mundo não for; segundo, lutarei pelo melhoramento do nível de vida e das condições de trabalho. A liberdade – não metafísica, mas prática – é condicionada pelas proteínas. A vida será humana a partir do dia que em que todo mundo puder saciar sua fome e todo homem puder exercer um trabalho nas condições que lhe convém. Lutarei não apenas por um nível de vida melhor, mas também por condições de vida democráticas para todos, pela libertação de todos os explorados, de todos os oprimidos’ (J-P. Sartre).
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Escritor, contista, editor do selo Terceira Margem (Ed. Multifoco) e graduando em Filosofia pelo UNIS-MG/Varginha, Luminárias, MG