“Durante as últimas décadas, as indústrias culturais possibilitaram a multiplicação dos espetáculos nos novos espaços midiáticos e em sites, e o espetáculo em si tornou-se um dos princípios organizacionais da economia, da política, da sociedade e da vida cotidiana.” (Douglas Kellner)
Não é difícil perceber a validade da afirmação de Douglas Kellner na sociedade contemporânea. Ligue a televisão ou acesse um portal de notícias e faça uma leitura crítica do conteúdo ali disponibilizado. Procure também pelos vídeos mais “relevantes” do YouTube ou então comece a reparar nas notícias e nos posts que aparecem no seu feed do Facebook.
As formas de entretenimento permeiam notícias e dados, e uma cultura de infoentretenimento tabloidizada está cada vez mais popular. Frequentemente somos bombardeados com notícias e escândalos que acabam se transformando em verdadeiros espetáculos.
Uma das lógicas da publicidade e dos anunciantes é a busca por um determinado público a custos cada vez mais baixos. Percebe-se que essa lógica tem invadido o jornalismo, mesclando a informação com o entretenimento, derrubando a fronteira entre essas duas áreas. Uma informação contextualizada e apurada por profissionais de comunicação divide espaço com informações de entretenimento e lazer midiático. A busca pela audiência/cliques intensificou a divulgação do espetáculo nos meios de comunicação.
O “jornalismo caça ao clique”
Guy Debord desenvolveu o conceito da Sociedade do Espetáculo nos anos 1960. Para o teórico francês, o espetáculo constitui um conceito abrangente para descrever a mídia e a sociedade de consumo, incluindo produção, promoção, exibição de mercadorias e produção e seus efeitos. Para o autor, as relações entre as pessoas transformaram-se em imagens e espetáculo. “O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens”, argumenta Debord.
Por exemplo, na segunda-feira eu abro meu Facebook e começam a aparecer na minha linha do tempo as postagens dos meus amigos sobre o final de semana deles. Vejo que alguns foram à praia, outros fizeram um churrasco e assim por diante. Começo a comentar essas publicações, mas em nenhum momento eu ligo pra eles ou temos uma conversa, pessoalmente, sobre esses eventos. A maneira com a qual eu me relacionei com eles foi pela imagem que eles divulgaram do que eles fizeram. Agora amplifique isso para o relacionamento de toda uma sociedade, acabamos nos relacionando por conta de um capítulo polêmico da Novela das 9, por causa de uma Copa do Mundo, o mais recente Festival de Rock e assim por diante. Substituímos a realidade e os contatos do cotidiano pelo consumo da imagem desses espetáculos. Vivemos mais no espelho do que fora dele.
Em recente artigo no Observatório da Imprensa, intitulado “O suicídio do jornalismo”, Sylvia Moretzsohn fala sobre o “jornalismo caça ao clique”. Segundo a autora, com o campo aberto pela internet, as grandes agências de notícia, no Brasil e no exterior, não parecem ter clareza no que devem fazer. Ao invés de priorizarem o jornalismo, que exige o distanciamento e o rigor, essas empresas cedem ao imediatismo e à cacofonia das redes. Comece a reparar a quantidade de listas que aparecem para você, tendências de comportamentos, fofocas sobre as celebridades e assim por diante.
A força da horda e a busca de si próprio
A vida político-social acaba sendo moldada pelo espetáculo. A própria globalização se expandiu através dele. A cultura da mídia global está dominada por megacorporações que combinam entretenimento, informação e uma vasta seleção de produtos comercializáveis.
Eduardo Galeano, jornalista e escritor uruguaio falecido recentemente, fala sobre uma sociedade da incomunicação. Para o uruguaio, o mundo nunca foi tão desigual economicamente, nem tão furiosamente igualador, em relação as ideias e costumes que se impõem em todo lugar. “Seus progressos devastadores, no entanto, saltam aos olhos. Os meios de comunicação da era eletrônica, a maioria a serviço da incomunicação humana, estão impondo a adoração unânime dos valores da sociedade neoliberal. Eles nos mentem, por imagens ou omissão, e concede, no máximo, o direito entre escolher coisas idênticas.”
Complementando, Francisco Gracioso fala do casamento entre o Espetáculo e a Comunicação, uma das características da sociedade pós-moderna. Pós-moderno deriva do termo pós-modernismo que surgiu após a Segunda Guerra Mundial e, ao contrário da Sociedade Industrial, este não é um termo que encontrou um denominador comum. Mas, segundo Gracioso, podemos afirmar que o conceito de da sociedade pós-moderna envolve estas características principais:
Hedonismo – a busca frenética pelo prazer que leva à obsessão pelo espetáculo; conflito entre indivíduo e coletividade – a contradição que existe entre a força da horda, provocando o surgimento das tribos urbanas e a busca dolorosa de si próprio que atormenta os seres humanos:
Negação dos valores e da autoridade – uma revolução sem causa que procura destruir as estruturas sociais, pregando a liberdade sem limites e o esquecimento dos valores morais;
Vulgarização da informação – ao contrário da terminologia usada por muitos, não se pode falar de explosão do conhecimento. As massas de hoje são talvez mais ignorantes e perigosas do que nunca, mas em teoria têm à sua disposição uma pletora de informações que não são capazes de utilizar;
Velocidade das mudanças – O mundo está em constante evolução e isto aprofunda o fosso entre as gerações.
A necessidade de uma boa definição
Nesse sentido, indiferente qual seja a sua classe social, somos todos pós-modernos, queremos ter, ser, fazer e pertencer. Nesse contexto que acontece o marketing de hoje, uma proposta apoiada cada vez mais no entretenimento. A publicidade e a propaganda assumem novas propostas. As marcas, além de investirem em anúncios e em comunicação de massa, passam a explorar o cotidiano da sociedade e os grandes espetáculos. Veja o nome dos palcos do último Lollapalooza que você vai entender o recado. No mapa abaixo conseguimos identificar o Palco Axe, Lolla Express by Correios, Sempre Livre Lolla Lounge, Palco Skol, Pepsi Live Sound, Fusion DJ Studio, Ray Ban Expression, Espaço Chevrolet Onix e assim por diante.
Reparou que, praticamente, todos os locais do evento estavam associados a alguma marca? O mesmo tem acontecido com alguns veículos de comunicação, que deixam de abordar aspectos importantes da sociedade, e passam a focar em eventos/notícias que conseguem atrair mais cliques/audiência.
Como descrito lá em cima, faça agora o teste. Entre no site que você costuma visitar todos os dias para se informar sobre os últimos acontecimentos e faça uma leitura analítica do conteúdo ali disponibilizado. Relacione aqueles que lhe permitem fazer uma leitura sobre a sociedade e aqueles que lhe mostram onde o cantor tal estacionou o carro ou que a ex-BBB queimou a boca com pastel.
O casamento entre publicidade e jornalismo, se bem delimitado, pode permitir o desenvolvimento das empresas de comunicação e a liberdade de imprensa. Porém, quando essa divisão não fica muito bem definida e o espetáculo e a busca pela audiência se transformam na razão de ser das empresas de comunicação, a longo prazo caminhamos cada vez mais para uma sociedade da incomunicação, onde, segundo Galeano, “os povos foram substituídos pelos mercados; os cidadãos pelos consumidores; as nações pelas empresas; as cidades pelas aglomerações e as relações humanas pelas concorrências comerciais.”
Referências:
“Cultura da Mídia e Triunfo do Espetáculo”. Douglas Kellner – artigo publicado no livro Sociedade Midiatizada, organizado por Dênis de Moraes, 2006.
“Espetáculo e Comunicação: Um casamento pós-moderno”. Francisco Gracioso – artigo publicado na Revista da ESPM, julho/agosto de 2007.
“Revendo Debord”. José Aloise Bahia. Observatório da Imprensa – https://www.observatoriodaimprensa.com.br/speculum/a_sociedade_do_espetaculo/
“O suicídio do jornalismo”. Sylvia Debossan Moretzsohn. Observatório da Imprensa – https://www.observatoriodaimprensa.com.br/imprensa-em-questao/o-suicidio-do-jornalismo/
“Sua publicidade financia o que mesmo?” Dal Marcondes. CartaCapital – http://www.cartacapital.com.br/sociedade/sua-publicidade-financia-o-que-mesmo-7352.html
***
Felipe Maciel Tessarolo é professor universitário