Esta campanha eleitoral fora de época está ficando mesmo muito engraçada e deve deixar malucos os jornalistas estrangeiros encarregados de entender quem é quem e explicar o que, afinal, está acontecendo nestes últimos dias no Brasil.
O protagonismo na mídia é de personagens que não são candidatos (Lula, Marina Silva e José Serra), deixando em segundo plano os que devem disputar para valer as eleições de 2014 (Dilma Rousseff, Aécio Neves e Eduardo Campos).
Correspondentes e enviados especiais (já fui um deles) quando chegam a um país estrangeiro em época de campanha eleitoral buscam duas fontes para terem uma primeira ideia sobre o que está em jogo: motoristas de táxi e os jornais locais.
Se fizerem isso no Brasil, estão perdidos. Motoristas de táxi não se interessam muito pelo assunto e também não estão entendendo nada, como a maioria da população. E os principais órgãos de imprensa parecem birutas de aeroporto em busca de um candidato de oposição confiável e competitivo para chamar de seu e ser capaz de tirar o PT do poder. Se procurarem os jornalistas nativos, então, os coitados receberão diferentes e antagônicas versões de cada um.
Segundo plano
Na última semana, a julgar pelo espaço que ocuparam no noticiário, os principais candidatos são o ex-presidente Lula e a sua ex-ministra Marina, com Serra correndo por fora, pegando nos calcanhares de Aécio, que parece não saber se vai ou se fica, e qual seu papel nesta história.
Todos eles, na verdade, parecem estar numa batalha de ombudsman – palavra sueca que não tem flexão de plural nem feminino e, segundo a Wikipédia, significa "profissional contratado por órgão, instituição ou empresa que tem a função de receber críticas, sugestões, reclamações e deve agir de forma imparcial no sentido de mediar conflitos entre as partes" –, uns batendo nos outros, sem apresentar uma única ideia nova ou um projeto para o país que pretendem governar.
Os pré-candidatos da oposição (as definições de chapa do PSDB e do PSB só devem acontecer em março) agem como ombudsman do governo Dilma, usando os mesmos argumentos e limitando-se a criticar a presidente por tudo o que ela faz ou deixa de fazer, sem apresentar, em suas pajelanças, qualquer sugestão viável para melhorar a vida dos brasileiros.
Lula, por sua vez, atua como ombudsman da imprensa e dos governos do seu antecessor Fernando Henrique Cardoso, atirando para todo lado e avisando que poderá voltar em 2018 se lhe encherem muito o saco.
Favorita em todas as pesquisas, com índices variando em torno de 40%, a presidente Dilma circula impávida pelos quatro cantos do país, garantindo que não está em campanha, mas não perdendo nenhuma chance de garimpar seus votinhos por onde passa, montada nos programas sociais lançados pelo seu antecessor, que está de volta à ribalta com a corda toda.
Com sua campanha limitada a entrevistas coletivas em Brasília, Aécio reapareceu na quinta-feira (31/10) para dizer que Lula "vai criando uma sombra sobre Dilma, mesmo sem querer", como se ele mesmo não estivesse enfrentando a enorme sombra de Serra, que mais parece um fantasma a atormentá-lo.
"O que eu vejo é o PT hoje muito ansioso, aflito, duvidando das condições da presidente da República, que eu acho que não são boas", analisou o ombudsman tucano, sem se dar conta de que está há meses empacado em terceiro lugar nas pesquisas, com um terço das intenções de voto da presidente candidata à reeleição.
Da mesma forma, o presidenciável Eduardo, que ficou em segundo plano depois de se associar a Marina, agora chama Lula de "cover" de Dilma, também sem olhar para o lado e ver o que acontece na sua própria casa com o embate entre sonháticos sustentáveis e pragmáticos socialistas. Não é pitoresco isso?
Apenas um chute
Teoricamente, Serra e Aécio pertencem ao mesmo partido, mas agem como se a disputa presidencial se desse apenas entre eles e não com os adversários de outros partidos.
Enquanto emissários de Aécio, o candidato oficial lançado por FHC e apoiado pela imensa maioria dos tucanos, se queixam da desenvoltura com que Serra se movimenta pelo país também se apresentando como candidato presidencial (apenas dele mesmo e de uma parcela da imprensa mais conservadora), o ex-governador paulista orienta o eterno aliado Roberto Freire, proprietário do PPS, a apoiar o PSD de Eduardo para enfraquecer seu concorrente interno no PSDB.
É para deixar mesmo qualquer jornalista estrangeiro com vontade de largar a cobertura no meio, dar uma banana pra todo mundo, e só voltar ao Brasil quando as coisas ficarem um pouco mais claras.
Não me lembro de ter visto nada parecido nas muitas coberturas de eleições presidenciais que já fiz por este mundão de Deus nos últimos 50 anos. O Brasil, de fato, não é para amadores e não dá a menor bola para os velhos manuais da política. Fora isso, qualquer previsão é mero chute. […]
******
Ricardo Kotscho é jornalista