As bonitas que me desculpem, mas foi com uma lufada de prazer e alívio que recebi a edição de outubro da Elle America, com a atriz Gabourey Sidibe na capa. Para comemorar seu 25º aniversário, a revista elegeu 25 meninas na faixa dos 25 anos que estão dando o que falar no planeta. Estão lá as atrizes Anna Kendrick e Camilla Belle, a cantora Janelle Monáe, a modelo Bar Refaeli e mais uma porção de jovens bonitinhas e sacudidas.
Quatro delas viraram capa: Megan Fox, Lauren Conrad, Amanda Sayfried e, surpreendentemente, a preciosa Gabourey Sidibe. Surpreendente, não porque ela não mereça estar na capa, mas porque ela está totalmente fora dos padrões para uma publicação de moda: não é bonita, não é magra, não é branca, não é sexy, não é ovacionada no mundo fashion, não vende.
Parece que essas questões já tinham sido levantadas antes por outra revista, a Vanity Fair, que fez uma capa em março deste ano com as jovens musas do cinema, excluindo a tão aclamada estrela de Precious. Na ocasião, Gabourey declarou que se fizesse parte daquela foto talvez se sentisse um pouco fora de lugar – o que não deveria acontecer, tendo em vista que, com exceção de Carey Mulligan, indicada por An Education, nenhuma das oito integrantes marcou presença na lista do Oscar 2010.
Daí que finalmente Gabourey ganhou uma capa de revista, mas as polêmicas em torno dela não acabaram – internautas acusam a publicação de clarear demais o seu tom de pele e de esconder a farta silhueta da moça. A diretora de arte justifica dizendo que as luzes do estúdio geralmente modificam as cores e que a imagem da atriz não foi mais retocada do que a de qualquer outra capa. Acredito. Até porque não é surpresa a obsessão dos publishers de moda pela perfeição estética e não é de se espantar que eles queiram aproximar-se dela, mesmo quando a proposta parece ser deixá-la de lado.
Chegou onde fariam tudo para chegar
Pois bem, enquanto escrevo essa nota comentando a iniciativa da Elle, minha filha de 16 anos analisa a capa da revista e diz: ‘Agora, sim, o diabo veste Prada.’ Rimos. Realmente Gabourey não está bem na foto: cabelo esquisito, olhos serrados, sorriso envergonhado, vestido envelhecedor. Mas, pensando bem, por que uma menina fora dos padrões ainda causa tanta repulsa?
‘Para entender os gostos de uma Era não é justo apenas ouvir os filósofos, é necessário entender o que significa a fealdade para as pessoas comuns’, afirma Umberto Eco em A História da Feiúra, onde relata a evolução dos padrões estéticos desde os gregos, passando pela Idade Média até o conceito de fealdade entendido como diferente no mundo moderno. Acontece que agora as pessoas comuns querem o corpo da Gisele Bündchen, o guarda-roupa da Sarah Jessica Parker, o sex appeal da Angelina Jolie – coisas que não estão mesmo ao alcance de todos e que, de tão extraordinárias, passam a ser cultuadas, perseguidas.
Lamento que Gabourey, talentosa, bem-sucedida, premiada, carismática, não inspire minha filha. Megan Fox, sim, que faz filme de vampiro e é considerada um sex symbol. Mas parecer com Gabourey Sidibe, nunca! Ok, não estou sugerindo que ela vire um modelo a ser seguido. Mas já cansou a beleza essa história de ovacionar gente que agrada aos olhos mas não diz nada ao coração.
Torço muito para que esse seja um passo para a transformação das revistas femininas high quality. Basta com esse rodízio de bonitinhas. A gente não quer nossas meninas pensando que só podem brilhar se forem lindas e que as menos privilegiadas esteticamente merecem apenas as notas de rodapé. Tudo bem que o papel desses magazines seja promover a beleza, a sensualidade, o bom gosto. Mas também é de bom tom lançar os holofotes sob mulheres como Gabourey Sidibe – que concorreu ao Oscar 2010 com as veteranas Helen Mirren e Meryl Streep, com Carey Mulligan (a queridinha fashionista) e Sandra Bullock (a namoradinha da América) –, chegando onde milhares de beldades fariam tudo para chegar. E isso é muito bonito.
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Jornalista, de Chicago (EUA)