Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Capa de revista, segundo o senhor Wilsom

Algumas semanas atrás, o senhor Wilsom tinha ficado um pouco encafifado com uma suposta revolução anunciada em duas grandes revistas do país. Ele esperou até hoje para se manifestar a respeito, mas, enfim, externou suas divagações após acompanhar o comportamento da mídia nesse ínterim.

Por mais que explicássemos os benefícios da tela sensível ao toque, assim como a gama de vantagens proporcionadas pelo Iphone, a figura socrática do senhor Wilsom não se convencia que o assunto tivesse consistência para tamanha repercussão. Ele reforça o coro dos descrentes que enfatizam tratar-se de apenas de um protótipo e contesta as idéias de que o líder da Apple, Steve Jobs, seja o ‘Henry Ford do século 21’, mesmo sem conhecer a respectiva biografia do reconhecido empreendedor.

O senhor Wilsom tem uma prática de leitura muito semelhante à do músico Paulinho Moska que, numa entrevista à televisão, assumiu apreciar apenas as páginas iniciais dos livros, descobrindo um modo particular de degustar a literatura. Mesmo sabendo que o leitor de reportagem precisa aplicar uma visão sistêmica para interpretar melhor os fatos, o nosso amigo e experiente filósofo utiliza um método semelhante para ler revistas e jornais.

Dizer muito com pouco

Não que as publicações sejam caras, mas o valor da aposentadoria que o senhor Wilsom recebe não lhe permite adquirir revistas e jornais. A magreza de seu orçamento é destinada às suas funções vitais de alimentação, plano de saúde, luz e água. Mas, apesar das adversidades em sua receita, ele descobriu uma alternativa para obter alguma informação sobre o que acontece no mundo e, sem compromisso, refletir. Hoje, tornou-se uma autoridade no ramo de ‘leitura de orelhas aplicada aos periódicos’.

Seu empenho resultou em uma tese que relaciona as capas de revista e jornais aos principais anseios da sociedade. Segundo suas premissas, apenas pela capa de um veículo é possível identificar padrões de comportamento de determinada época, assim como a respectiva visão de mundo de um segmento da população.

O senhor Wilsom fundamenta suas idéias, deduzindo que desde o Journal des Savants, publicado na França em 1665, a famigerada primeira página carrega a função de sintetizar uma versão da realidade em um recorte escolhido minuciosamente. Como ele mesmo diz: é a arte de dizer muito com muito pouco.

A sociedade e o Iphone

Quando ele viu, em uma dessas bancas que deixam a pessoa manusear a revista, a dedicação ao Iphone da Veja (edição nº 1991, de 17/1/2007) e da Época (nº 452, de 13/1/2007), Wilsom aflorou o seu espírito autocrítico e observou alguns gargalos em sua tese, que demandariam uma queima neurológica para superar o entrave.

Wilsom soubera, por outras fontes, que a imprensa internacional, pelo menos deste lado do Ocidente, noticiou o fato com o mesmo destaque e, de posse dessa informação, não concluiu nada e lançou ao ar uma série de questionamentos: será que o anseio da sociedade contemporânea, que lê revistas semanais, está sintetizado em uma nova tecnologia como o Iphone? Ou será que essa síntese dos verdadeiros interesses da sociedade brasileira – leitora – esteve melhor representada nas capas da Veja e da Época que vieram na seqüência daquela?

As semelhanças de ‘Folhateen’

Para quem não tem o hábito de ler ou xeretar revistas, o senhor Wilsom informa que a Veja, depois da magia do Iphone, colocou na capa de uma edição especial a brutalidade dos traficantes no Rio de Janeiro e, em sua última edição, utilizou um tomate esfacelado para exprimir a imagem deplorável dos políticos perante os brasileiros. A Época optou pelo drama universal da felicidade – sob o ponto de vista dos filósofos de nosso tempo.

O conteúdo, a forma de abordagem, o grau de isenção e outras preocupações jornalísticas não interessam ao senhor Wilsom, que segue a bisbilhotar as publicações sem pagar pelo desfrute. Ele aproveita a ocasião e comenta, com certa ironia, que na capa da ‘Folhateen’ desta semana, caderno da Folha de S. Paulo direcionado aos adolescentes, saiu uma reportagem sobre jovens que se parecem com os personagens da ilha de ‘Lost’. A chamada é: ‘Encontrados’.

Talvez seja a baixa acuidade visual, mas Wilsom não notou as semelhanças que a matéria sugere.

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Jornalista e sócio-diretor da Parabólica Comunicação