Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Cardápio jornalístico indigesto

De acordo com pesquisa realizada pelo renomado ‘Instituto Internacional do Boca a Boca’, a digestão do povo sergipano vai de mal a pior. E a causa já foi descoberta: o hábito de almoçar e jantar assistindo televisão.

Afiliada da rede Globo em nosso estado e campeã de audiência, a TV Sergipe já vem há tempos abusando da exibição de cadáveres em seus telejornais locais. Só para citar um exemplo, na última quarta-feira, 28/03, o SE-TV 2ª edição, presenteou os telespectadores não com um, mas com dois corpos. Em uma das matérias foi feito um close nos pés do cadáver, já em estado de putrefação, e não ficou só nisso. O sensacionalismo vai ao cúmulo de mostrarem os funcionários do Instituto médio Legal (IML) retirando o corpo do lugar e jogando-o numa bacia para ser transportado até o prédio do instituto.

Péssimo gosto

Se a equipe de jornalismo tiver tido o ‘azar’ de chegar ao local e o IML já tiver recolhido o corpo, não tem problema: vai constar no cardápio do almoço, ou do jantar, um belo de um close na poça de sangue que restou no local do crime ou do acidente.

Um absurdo, essa extrema falta de respeito com o povo sergipano e, principalmente, com os familiares das vítimas. Já que é uma emissora de TV, um programa telejornalístico em que o uso da imagem é essencial, por que não mostrar apenas o corpo coberto, desfocado, uma foto da vítima, a arma do crime e o local onde foi encontrado? Para que chegar ao extremo de causar mal-estar aos que estão em suas casas, reunidos ao redor de uma mesa almoçando ou ‘tomando o café da noite’, como se diz por aqui? E as pessoas sensíveis? As crianças? Será preciso retirá-las da sala nesses horários, ou a resposta à reclamação das pessoas será para que mudem de canal?

A afiliada da Globo poderia, pelo menos, ter um mínimo de sensibilidade e avisar com antecedência para que retirem essas pessoas da frente da TV, evitando a exposição às cenas fortíssimas e de péssimo gosto. Mas não: são todos pegos de surpresa. Uns são indiferentes; outros ficam chocados; há inclusive quem aguarde as cenas sensacionais… Não importa. O fato é que limites devem ser respeitados.

Prudência e bom senso

É de conhecimento público que a falta de bom senso não é exclusividade dos telejornais da TV Sergipe. O problema é que, além de não se esperar isso desses programas, o telespectador deveria ter o direito de escolher se assiste ou não às cenas horrendas. Se a linha editorial dos telejornais da emissora, permite a exibição constante da imagem de corpos ensangüentados ou putrefatos, a população deve ser avisada e estar ciente desde já, para que tenha o direito de jantar e almoçar com a TV desligada, ligada em outro canal, para que mude o horário de comer e possa, enfim, retirar pessoas sensíveis da frente do aparelho televisivo.

Aqui, não está em questão a qualidade dos profissionais da emissora que, incontestavelmente, são altamente competentes e fazem seu trabalho de forma exemplar. Prova disso é a liderança na audiência, atestando a preferência do público por estes programas. E que também não se fale em cerceamento da liberdade de imprensa. Censura, não! O que se pede é cautela, prudência e bom senso nas chamadas matérias policiais. Mais uma vez repetimos: o que está em debate é a questão do esclarecimento. Se o programa vai exibir cenas mórbidas, que avise àqueles que o assistem.

Banalização da morte

Bom exemplo do vizinho: o Ministério Público da Paraíba convocou este mês as emissoras de televisão do estado para discutirem a divulgação de cenas de violência nos telejornais. Representantes das emissoras paraibanas, com exceção de uma afiliada da TV Record, assinaram um termo de ajustamento de conduta e se comprometeram a não veicular imagens de cadáveres à mostra, muito sangue e cenas do gênero em programas jornalísticos.

A multa para quem não cumprir o termo é de 10 mil reais por programa exibido. A regra vale para o período do dia, principalmente entre as 12:00 e as 17:30. No período da noite, desde que não esteja previsto nenhum programa infantil, as TVs continuam livres para exibirem o que quiserem.

Ou seja, as emissoras paraibanas poderão, sim, exibir cenas fortes em seus programas jornalísticos da noite, porém a população já está ciente disso. Cabe a cada um tomar a decisão de assistir ou não a determinado telejornal: sua arma é o controle remoto.

Os jornalistas brasileiros em geral precisam rever seu papel social na mídia e pensar se é esse o tipo de jornalismo que querem mostrar a seus filhos. Ao invés de simplesmente exibirem corpos com a desculpa de mostrar a realidade ao povo, devem promover discussões para se minimizar o problema da segurança dos cidadãos. É revoltante ver que, a cada dia, cresce a banalização da vida (ou seria da morte?). Com a ajuda da mídia, a violência, as desgraças, as tragédias, estão se tornando fatos cada vez mais aceitáveis e comuns à mesa. Cardápio indigesto, esse.

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Jornalista e pesquisadora na área de Assessoria de Comunicação e Imprensa pela Fanese e editora do blog http://cajueirosepapagaios.zip.net