Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Carlos Eduardo Lins da Silva

‘Muitos já decretaram a morte do jornalismo impresso. Agora, já há quem preveja a substituição do jornalismo do mundo real pelo do universo da segunda vida, em que valores como a necessidade de checar os fatos para ver se eles pelo menos ocorreram deixam de ter qualquer significado.

O Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais, um dos raros grupos de intelectuais dispostos a produzir conhecimento independente que teimam em sobreviver no Brasil, realizou em São Paulo na semana passada seminário internacional sobre as novas mídias em que o mundo virtual foi uma das atrações.

A Second Life, criação de 2003 do Linden Lab, uma empresa de tecnologia de São Francisco, Califórnia, é muito mais do que um jogo. Pretende ser uma realidade alternativa.

Seus residentes, mais de 5 milhões atualmente, criam avatares de si próprios. O avatar não é um clone de seu criador nem um replicante do universo de Blade Runner. Ele é a pessoa melhorada. Um homem obeso e tímido pode virar atlético e audaz.

Os avatares ganham vida, andam, voam, trabalham, brincam, fazem negócios na vida virtual. Com dinheiro de verdade do mundo real. Compram roupas, terrenos, casas (já movimentam mais de US$ 60 milhões por ano).

Fazem jornalismo também. Há os meios de comunicação do mundo virtual, criados e desenvolvidos por avatares, que noticiam os acontecimentos da Second Life. E há os meios de comunicação do mundo real que se estabelecem na realidade alternativa. Reuters e CNN são dois exemplos de empresas jornalísticas que instalaram escritórios e correspondentes nesse novo universo.

Tudo poderia não passar de brincadeira inteligente, frívola ou psicótica -depende do gosto- de sociedades e indivíduos que já resolveram (ou pensam ter resolvido) seus problemas materiais básicos e podem se dar ao luxo de dar vida a bonecos em que superam suas frustrações e limites.

O problema é que esse espírito do jornalismo em que o ideal é que todos possam ser jornalistas acha muitos adeptos no lado de cá da realidade.

O conceito de jornalista-cidadão, que tem muito de positivo, pode gerar situações complicadas. Veja o recente exemplo de Mayhill Fowler, que entrevistou o ex-presidente Bill Clinton se passando por simples eleitora e entrou em reunião do candidato Barack Obama identificando-se como voluntária de sua campanha.

Ela registrou declarações sensacionais dos dois e causou grandes prejuízos a ambos. Fez um serviço público? Praticou bom jornalismo? Revelou à sociedade o que os políticos realmente pensam, mas não dizem em público? Ou foi antiética, desonesta, agiu sob a lógica de fins justificando meios?

Faz sentido discutir ética jornalística nesse ambiente? No seminário de São Paulo, um pesquisador britânico disse que o conceito de privacidade é ‘um produto da era industrial, que agora está acabando’ e que, portanto, ‘não deveria nos surpreender que estejamos procurando construir novas formas de construir uma identidade on-line’.

Se todos os valores humanos estão em xeque neste ambiente de múltiplas realidades, por que os do jornalismo sobreviveriam?’

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‘Nota do mundo real’, copyright Folha de S. Paulo, 22/6/08.

‘A Folha está cobrindo mal a greve dos professores paulistas. Precisa ouvir mais fontes, analisar com profundidade os temas em debate, relatar com apuro a situação das escolas. Tem sido superficial, burocrática e acrítica.

Tem um quê de constrangedor para a imprensa paulista que as principais revelações sobre a suspeita de corrupção do governo de São Paulo pela multinacional Alstom venham sendo feitas pelo americano ‘The Wall Street Journal’.

A coluna de Janio de Freitas completa 25 anos na Folha. Estão de parabéns o repórter, um dos melhores da história, o jornal e principalmente o leitor. Entre os grandes feitos da coluna, a revelação do escândalo da ferrovia Norte-Sul, em 1987.

Faz bem a Folha em defender a liberdade de imprensa e de expressão diante da absurda ação da Justiça Eleitoral pela entrevista com Marta Suplicy. Deve cuidar, no entanto, para não permitir que se desqualifique quem ameaça esse direito essencial à democracia por suas características pessoais, inclusive de caráter étnico. Mesmo neste caso extremo, o debate deve se ater às idéias.

Na terça-feira, dia 17, mais uma vez a edição São Paulo da Folha substituiu uma foto de autoridade do governo em que ela aparecia bem por outra, desfavorável à sua figura. Neste caso, a autoridade era o presidente Lula. Se não há razão jornalística nem gráfica para esse tipo de alteração, ela denota mera picuinha.’

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‘Para ler’, copyright Folha de S. Paulo, 22/6/08.

‘‘Culturas e Artes do Pós-Humano – Da Cultura das Mídias à Cibercultura’, de Lucia Santaella (Paulus, 2003), a partir de R$ 34,85

‘Linguagens Líquidas na Era da Mobilidade’, de Lucia Santaella (Paulus, 2007) – dois excelentes estudos sobre as alterações do ambiente cultural contemporâneo e as diversas formas de leitura que elas ocasionam (R$ 46)

PARA VER

‘Blade Runner – O Caçador de Andróides’, de Ridley Scott, com Harrison Ford (1982) – clássico do cinema traz à tona um futuro em que replicantes, ‘mais humanos que os humanos’, se rebelam (a partir de R$ 24,90)’