Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Carta Capital

TELEVISÃO
Carlos Leonam e Ana Maria Badaró

Abaixa esse volume aí!, 25/4

‘Há exceções, mas parece que o vazio de conteúdo de grande parte da programação vespertina das emissoras comerciais abertas de tevê é proposital para que se abra espaço para os ‘merchands’. Esse é o apelido ou eufemismo que o costureiro, ex-apresentador, emérito encrenqueiro e atual deputado federal (PTC-SP) Clodovil Hernandez deu à popular propaganda, ou merchandising.

Essa colcha de retalhos do varejo faz os programas de entretenimento nas tardes serem assim: comenta-se uma notícia dizendo que é exclusiva, mas que geralmente já foi publicada, óóóó, há quanto tempo. É só dar uma olhada nos blogs pela manhã ou na noite anterior. É o chamado ‘me engana que eu gosto’. Os temas oscilam entre as ditas celebridades ou o crime do momento. Volta e meia entra uma reportagem, sem recursos, sem produção, requentando bobagens.

Entre uma apelação e outra, o apresentador dá seu recadinho com comerciais ao vivo. Todos por conta de comissões sobre as vendas, ficam ao lado do propagandista muito falante, balançando a cabeça discreta e afirmativamente, se lambuzando, por exemplo, de iogurte feito em casa. Hummmmm, que delícia!

Uma fofoquinha depois, o apresentador salta para outra bancada e, outra vez, aprova sutilmente mais um produto e mais outro e mais outro (de cirurgias plásticas a crédito, filmadoras, perfumes de alta fixação, máquinas de fazer fraldas, fraldões e bermudas anticelulite). Sem contar os horários nobres da tarde, alugados para os comerciais americanos ridiculamente dublados e para crenças religiosas de todas as vertentes.

É melhor ver na tevê paga as bobagens da Oprah Winfrey, que também apela, só que profissionalmente e sem chupar notícia alheia. Mas a maior comunicadora televisiva do planeta apresenta dramas e matérias bem produzidos, que provocam comentários inteligentes, especialmente os dela. A trilionária apresentadora norte-americana não nos brinda com um certo slogan dito ameaçadoramente para a câmera: ‘Mexeu com você, mexeu comigo’.

O céu é um inferno

Cremos saber a resposta, mas vai uma pergunta para os publicitários: por que os comerciais das grandes lojas populares que prometem mundos e fundos ao consumidor, da geladeira ao criado-mudo, são tão gritados? O público-alvo desses reclames tem deficiência auditiva, por acaso? Ou o tom e a correria são para confundir esse espectador? É tudo muito agudo.

Os apresentadores falam rápido demais, tão nervosos quanto os cortes de edição. Os garotos-propaganda, cuja alta rotatividade é grande, ficam sempre sorrindo escancaradamente, como se estivessem às portas do paraíso, só que vendendo tíquetes para o inferno dos altos juros e das prestações intermináveis. Abaixa esse volume da tevê, aí, ô!

Para confundir

Quem decide o lugar que as emissoras vão ocupar no dial televisivo? Por que a TV Cultura, pelo menos no Rio de Janeiro, perdeu seu lugar ao lado da TV Brasil e ficou espremida entre o desconhecido canal NGB, sem grade de programação, sem nada? Quem souber o que é esse canal, com um ar para lá de bagaceiro, mande notícias.’

 

1968
Emiliano José

1968, juventude e militância, 23/4

‘Este é um ano que 1968 volta à cena. Outra e mais uma vez. É o aniversário de 40 anos. 1968 já é um senhor respeitável. Com este senhor, o eterno retorno de um debate: o papel da juventude. E nessa discussão emerge sempre um acentuado saudosismo, que atinge tanto os mais velhos, aqueles que viveram aquele ano mágico-redentor, quanto os mais jovens, de alguns dos quais já ouvi o lamento por não tê-lo vivido. Alguns lamentam não ter tido a chance de ter nascido numa época em que pudessem enfrentar a ditadura.

Viver sob uma ditadura, creiam os mais jovens, não é uma experiência agradável. Muito ao contrário. O melhor mesmo, com todas as suas imperfeições, é a democracia. Não há um modo político que a substitua com vantagem. E não há a possibilidade de comparar épocas tão distintas – aquela, quando vivemos sob um regime de terror e medo, e esta, depois de 1985, quando o País pôde respirar, quando as contradições, bem ou mal, puderam ser enfrentadas à luz do dia.

Eu dizia, esses dias, em entrevista dada a Samuel, estudante da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia que fazia matéria para a revista Lupa, produzida pelos alunos, tratar-se de uma ousadia alguém tentar interpretar a atividade política da juventude dos dias atuais já tendo chegado à casa dos 60 anos de idade. Corria um risco muito grande, inclusive, talvez, o do saudosismo, pois, afinal, havia participado decisivamente do movimento estudantil de 1968.

Além disso, depois me dedicara à luta contra a ditadura, já clandestino, militando na Ação Popular, organização marxista que defendia a luta armada. Eram interpelações feitas a mim mesmo, para que evitasse esse saudosismo, que condeno. Não é que não se deva valorizar tudo o que foi feito naquele ano tão cheio de promessas, de expectativas redentoras – tudo o que ele representou como um momento de semeadura de sonhos, de esperanças, de utopias. Deve ser lembrado assim, à Walter Benjamin, como um ponto luminoso do passado, trazido ao presente, para que sejamos capazes de prosseguir em busca daqueles mesmos sonhos, em outras condições e circunstâncias.

Nada de pensar em repetições da história, no entanto. O tempo não volta. O tempo não pára. A história não se repete, e aqui é Marx. Há a tragédia e a farsa. Experimento acentuado incômodo quando a análise sobre 68 descamba para o saudosismo e para a tentativa de comparações canhestras entre aquele tempo e os dias de hoje. Não raramente aparece uma comparação entre o heroísmo daquele passado cheio de glória e a apatia despolitizante dessa fase em que vivemos.

Precisamos nos acertar quanto a isso.Os jovens da geração 68 radicalizaram empurrados pela violência da ditadura. Não escolheram o heroísmo como caminho. Se o heroísmo sobreveio em alguns casos foi por força das convicções de quem acreditava na necessidade de lutar contra a ditadura. Se tantos morreram debaixo de tortura não foi por uma escolha de assim morrer. Se tantos estiveram presos por anos não foi porque quiseram. Se tantos se exilaram não foi de boa vontade. Fizeram, é verdade, a opção de enfrentar a ditadura, e esse foi um mérito de uma parcela daquela geração.

Aquele momento histórico cobrava opções. Houve uma grande parte da juventude brasileira que preferiu seguir sua vida, afastar-se daquela arriscada militância porque a barra era de fato muito pesada. Pesadíssima. Quem topasse a empreitada o fazia sabendo dos riscos que corria – ou, ao menos, devia saber.

O fim da linha, em geral, era a morte. Ou o pau-de-arara e anos de prisão. Ou o demorado exílio. Era ditadura, outro Brasil, outra juventude. De 68 não cabe recolher murmúrios nostálgicos, melancólicos. E muito menos qualquer tipo de avaliação negativa, com base naquela experiência histórica, para julgar a participação política da juventude dos dias de hoje.

A juventude, hoje, por obviedade, vive um tempo completamente distinto no Brasil. Primeiro, sob uma democracia. Segundo, sob a crise da democracia representativa. Terceiro, sob a Internet. Quarto, sob uma revolução científico-tecnológica de proporções ainda não suficientemente avaliadas, que leva a um acentuado desemprego estrutural e à reestruturação profunda do mundo do trabalho, que atinge em cheio os jovens. Quinto, sob o governo Lula e seus positivos impactos históricos. Isso para situar alguns traços desse quadro histórico, sem discuti-los.

Não há atualmente nenhuma apatia da juventude. Uma parcela ponderável dos jovens está em plena atividade. Em número maior do que 1968 porque o Brasil é muito maior e a cidadania ativa também cresce. Não se procure, no entanto, apenas os modelos tradicionais de participação, como a militância em partidos políticos. Esta existe, que ninguém se engane. Mas não é a única, e tenho convicção de que numericamente não é a maior.

Os jovens estão espalhados por associações comunitárias urbanas e rurais, por sindicatos, por organizações não-governamentais, por redes culturais de variada natureza, por movimentos culturais diversos. E a participação não está apenas na praça, na rua, mas, também, no mundo virtual, eletrônico, onde a juventude dialoga e intervém. Praça e tela então se completam.

O olhar exigente – ou conservador – dos partidos políticos pode, com simplismo, pretender criticar essa militância espalhada por tantos movimentos. Militância que, nesse olhar, não teria condições de globalizar a luta política, de entender a complexidade do País. Essa crítica não percebe o quanto existe de vitalidade nessa juventude, que naturalmente não segue os modelos antigos, mas faz política. Quem sabe, por exemplo, leia mais Leonardo Boff do que Lênin. Não se trata de um problema. Com Boff aprende solidariedade, fraternidade Aprende a como cuidar das pessoas e do mundo. E por Boff pode chegar a Lênin, quem sabe, ou a outros autores.

Está, provavelmente, mais preocupada com o meio ambiente do que com o que se chamou tradicionalmente de progresso. Mais próxima de movimentos como o MST. Mais próxima do combate ao racismo. Da percepção das lutas de gênero. Sem preconceitos com a homossexualidade. Canta, com Paulinho da Viola, que as coisas estão no mundo, só é preciso entendê-las. Tenta compreender a vida que sai das entranhas da globalização acelerada, aprendendo o que tem de bom e de ruim nesse admirável mundo novo, quem sabe relendo Aldous Huxley.

E não se pense apenas em militância de classe média, que continua a ser importante, mas na adolescente ou no adolescente que vive no campo e que participa do sindicato ou da associação comunitária. Noutros, envolvidos com o hip-hop. Quem sabe os partidos políticos, especialmente aqueles situados à esquerda, pudessem beber dessa fonte com mais carinho. E num outro sentido, essa nova militância podia, também, aprender mais da luta política estrito senso com os partidos políticos. A volta a 68, além da rememoração histórica, deve servir, aí sim, para buscar elementos de um sonho que a juventude atual pode reinterpretar e seguir adiante. Em outro mundo, outro Brasil.’

 

CASO ISABELLA NARDONI
Nirlando Beirão

O triunfo da hipocrisia, 25/4

‘A viciosa injunção de uma mídia espetaculosa com o populacho ressentido – na síndrome linchadora do ‘foram eles’ – teria, na Inglaterra, efeito contrário ao desejado por aqueles que, aqui no propalado berço da cordialidade morena, querem fazer justiça com as próprias garras.

Acata, a processualística britânica, uma espécie de Fator PO – de public opinion. Se há exacerbação justiceira de ânimos, se os veículos de comunicação extrapolam no seu pre-julgamento arbitrário, o juiz certamente vai administrar, junto ao júri popular, um jeito de contrabalançar a pancadaria. É dos usos e costumes dos tribunais da Inglaterra: quanto mais baterem no acusado, mais existe a possibilidade – ou o risco – de que a balança penda a seu favor.

Até os tablóides de escândalos e a tevê de excessos acabam se comportando com razoável moderação, ainda que estejam diante de um suspeito de crime hediondo.

Como a tevê comercial brasileira tem compromisso com o ibope, nunca com o senso de justiça, é a antítese da prudência britânica o que se assiste aqui e agora, na selvageria carnavalesca dos balofos xerifes vespertinos – e não apenas deles, mas também do telejornalismo que se diz asseadinho.

Sai de cena o modelo Reino Unido de direito e eqüidade, entram os instintos bárbaros da lei-e-ordem do Deep South americano – aqueles estranhos frutos chamuscados pendendo das árvores, como cantava Billy Holliday em sua canção dilacerada.

Não é por acaso que, assim como acontecia no Alabama e em Louisiana até poucas décadas AO (isto é, Antes de Obama), os videojusticeiros made in Brasil exibam pose moral de pregadores, abençoando, com timbre de evangelistas, a barbárie incontida de uma turba que se desrecalca comum crime que subiu um degrau no patamar social. Quem é que ousa dizer que, naquela celebração hormonal dos sans-coulottes, estimulada pelas câmeras e pelos spots, há um pingo de afeto pela vítima?

Está todo mundo mentindo, nessa história de hipocrisias turbinadas a show off (faço uma ressalva: a polícia parece estar sinceramente buscando a verdade). Não é segredo para ninguém que a tevê sofre a tentação da mentira – e aí está a emissor-padrão para não nos deixar, perdão, mentir.

Mas se a palavra televisiva, entoada com seriedade bem escanhoada, simula, trapaceia, manipula, a imagem não. Vocês viram o depoimento do casal acusado ao Fantástico. O que é aquilo, gente?

Experts em fisiognomonia perscrutraram-lhes os gestos, o choro, a postura. Chegaram a mil conclusões. Faltou dizer: a dupla não é bem aquinhoada de inteligência. Ele, então, tem o cérebro de ervilha. Pode alegar que não entendeu o que fez.’

 

Rodrigo Martins

Júri popular, 25/4

‘Quarta-feira, 2 horas da tarde. Mais uma vez, a cena se repete diante do 9º Distrito Policial, na zona norte de São Paulo. Num vaivém intenso, um pelotão de repórteres, cinegrafistas e fotógrafos disputa espaço na porta da delegacia com os curiosos de plantão. Há de tudo. Operários em horário de almoço, vizinhas bisbilhoteiras, homens fantasiados e com nariz de palhaço.

Tem sido assim desde a morte da menina Isabella, de 5 anos, atirada da janela do sexto andar do apartamento do pai, Alexandre Nardoni, no fim de março. Nas últimas semanas, as casas de familiares e vizinhos já foram alvo de pichações, depredação e tentativas de arrombamento. Para evitar invasões, a família de Alexandre, principal suspeito do crime, ao lado da esposa, Anna Carolina Jatobá, contrataram seguranças.

‘O circo começa a pegar fogo por volta das 5 da tarde, quando começam os telejornais’, comenta um vigia sisudo, postado na frente da casa do avô paterno de Isabella, no bairro do Tucuruvi. O vizinho José Roberto Bernardes, de 49 anos, confirma a versão. ‘Até acho válido a imprensa divulgar e a população protestar. Mas o pessoal jogava pedra, chutava o portão. Isso não é certo’, comenta. Diante do prédio onde mora a família Jatobá, em Guarulhos (SP), dois invasores foram detidos pela polícia. Nas paredes do prédio, restam os cartazes de protesto, com fotos do casal atrás de grades traçadas à caneta.

Naquela tarde, diante da delegacia, todos aguardam a chegada de Antonio e Cristiane Nardoni, avô paterno e tia da garota, convocados para depor sobre o caso. Ávidos por novidades, quaisquer que sejam, os jornalistas caçam funcionários da delegacia atrás de informações. Um mínimo detalhe, quase sempre irrelevante, basta para um flash. ‘A polícia já está ouvindo outra testemunha, mas não tivemos a confirmação de quem seria’, informa um repórter ao vivo, com ar circunspeto de quem acaba de dar uma informação bombástica.

Enquanto isso, os curiosos se multiplicam. No começo, não passavam de meia dúzia de espectadores. Com o passar do tempo, somam 30, talvez 40 manifestantes. ‘Todo mundo sabe que a família está envolvida no caso. O avô da menina é advogado e tenta acobertar o filho. Vi tudo na tevê. Acho que o povo tem de ficar em cima para acelerar o trabalho da polícia’, afirma o segurança Francisco Marques, de 55 anos, que trocou o período de descanso pela vigília na porta da delegacia.

O aposentado João Mendes da Silva, de 66 anos, vive em Barueri e enfrentou mais de uma hora de viagem de ônibus apenas para acompanhar o caso de perto. ‘Vim aqui para xingar esses canalhas, facínoras. Trinta anos de cadeia é pouco. Precisamos é de pena de morte no Brasil’, defende.

O clamor pela pena capital ganha eco na fala da dona de casa Neusa dos Santos Pasqua, de 65 anos, que aumentou a freqüência das visitas à casa da irmã, Diva, só para dar umas escapulidas para a porta da delegacia, que fica nos arredores. Era a quarta vez que ficava plantada ali, na calçada. ‘Não resta dúvida de que o pai e a madrasta são os culpados. O pior é que um advogado disse na tevê que, mesmo condenados, eles poderão sair da cadeia em dois anos. Então, é melhor cortar as mãos deles.’

Alguns curiosos não escondem o desejo de aparecer diante das câmeras. Ora fantasiado de anjo, ora de caveira, o aposentado Amaury Guedes, de 75 anos, busca os holofotes para advogar sua causa. ‘Quero aproveitar essa tragédia para divulgar a minha e de outros 8 mil funcionários mantidos pelos fundos de pensão Aeros e Aerus, que estão morrendo de fome por não receber os benefícios’, diz o ex-comissário da Varig, pouco antes de reclamar da falta de atenção da mídia. O desdém dos repórteres não é por acaso. Há tempos, Guedes utiliza a mesma estratégia. Já esteve fantasiado, por exemplo, no desabamento da Linha Amarela do Metrô e ao lado dos destroços do avião da TAM.

A curiosidade do público também é vista, por alguns, como uma oportunidade de obter uma renda extra. O sorveteiro Antonio Pereira da Silva, 66 anos, resolveu se instalar na frente da delegacia há três semanas. ‘Vendo cem picolés por dia. Uma vez, vendi mais de 200. Somente agora o movimento está caindo um pouco. Acho que essa história já está cansando o pessoal.’

Para a mídia, o caso deixará saudades. Com a morte da menina Isabella, a audiência dos telejornais cresceu até 46% na primeira quinzena de abril. O fenômeno talvez explique a ampliação dos horários de programas noticiosos, a inclusão do tema em atrações de culinária e a mobilização permanente de ao menos 60 jornalistas para acompanhar o caso na delegacia.

Ao chegar a notícia de que o avô e a tia de Isabella já saíram de casa para o depoimento, o público se assanha. Com câmeras em punho, os jornalistas suspeitam de cada veículo que passa. Os curiosos fazem chacota. ‘Esse daí deve ser o tio do Nardoni.’ Surpreendidos com o reboliço, alguns motoristas entram na brincadeira. ‘Não sou eu, não. O assassino vem mais tarde.’

Passados alguns alarmes falsos, desponta o carro verdadeiro. Os jornalistas correm para fechar o cerco. A população também avança aos berros: ‘Família de assassinos. Vai morrer!’ Até mesmo mulheres com criança no colo e idosos trotam em direção ao carro ensandecidos. Muitos começam a socar e a chutar a lataria do automóvel. Um cordão de policiais procura proteger as testemunhas quando tentam sair do veículo.

Os microfones avançam na direção de Cristiane Nardoni, que perde o equilíbrio e cai diante de um repórter. O pai consegue se desvencilhar da turba com mais facilidade. Mesmo após entrar na delegacia, são alvo de xingamento por mais alguns minutos. Depois, a turba volta para a calçada e desenrola uma faixa de 5 metros, a elogiar o trabalho dos investigadores e a pedir a revisão do Código Penal, por punições mais severas.

Uma das mulheres que ostentam a faixa é Márcia Soares de Souza, de 45 anos, que ajudou a esmurrar o carro. ‘Se eles fossem pobres, já estariam presos, julgados e condenados’, exalta-se.

Sem ser convidado, um bêbado se agarra à faixa. ‘Filma mesmo, filma mesmo. É a massa que se levanta’, grita, com a voz pastosa. A distância, uma senhora ironiza a situação: ‘Esse daí é o advogado de defesa. Abandonou o caso, caiu na bebedeira, perdeu os dentes e agora quer justiça’.

O grupo demora a ir embora. Durante a saída das testemunhas, por volta das 9 horas da noite, ainda houve confusão. João, o aposentado que defende a pena de morte, tentou atirar uma pedra contra Antonio Nardoni e quase acertou o carro dos advogados. Acabou detido pela polícia e liberado mais tarde.

Quando os holofotes se apagam, os anônimos se dispersam.’

 

TECNOLOGIA
Felipe Marra Mendonça

A Itália será a pioneira do iPhone 3G, 25/4

‘O sucesso do iPhone é evidente. Mais de 3 milhões de unidades foram vendidas desde o lançamento do produto em 2007 e, hoje, 70% dos acessos à internet feitos em redes de telefonia celular nos Estados Unidos partem do aparelho lançado pela Apple. Não por acaso. Um dos principais atrativos é que ele pode, por ter uma tela grande, mostrar páginas da web no formato original, sem o comprometimento da qualidade.

No entanto, ainda há imperfeições. Até agora, o iPhone não tem capacidade de trafegar em redes de dados mais rápidas e a navegação é um bom teste para a paciência do usuário. Para superar a limitação, seria necessário um aparelho novo, um iPhone 3G, capaz de acessar uma rede UMTS. A novidade é que ele deve estar à venda nas próximas semanas e a estréia acontecerá em um mercado considerado dos mais improváveis: a Itália.

A notícia foi publicada pelo diário italiano La Repubblica na segunda-feira 21, que detalhou o acordo da Apple com a Telecom Italia. Os dados mostrados pelo jornal sobre o uso da internet móvel na Itália mostram que o lançamento do iPhone 3G no país faz todo o sentido. Pois 44% dos usuários italianos de telefonia móvel acessam com regularidade a internet por meio de redes UMTS, ante 20% na França, 18% no Reino Unido e 15% na Espanha. Seria, portanto, um bom mercado para testar a aceitação do novo produto.

Outro ponto importante da entrada do iPhone no mercado italiano é que o contrato firmado com a operadora se diferencia dos outros celebrados até agora nos EUA e em alguns mercados europeus. A Apple fazia questão de embolsar cerca de 30% de receita gerada pela assinatura mensal dos planos para o iPhone. Essa foi a condição aceita pela AT&T nos EUA, pela O2 no Reino Unido e na Irlanda, pela Orange na França e pela T-Mobile na Alemanha e na Áustria. Em contrapartida, todas recebiam a exclusividade na comercialização do aparelho.

O acordo com a Telecom Italia para a entrada do telefone na rede TIM prevê uma exclusividade temporária de ‘poucos meses’. Passado esse tempo, os usuários em outras operadoras poderão comprar um iPhone sem precisar desbloquear o celular como ocorre hoje.

Como bem sabem os usuários de um iPhone desbloqueado, o aparelho perde algumas de suas funções em uma rede ‘não autorizada’. A principal é o recurso de caixa de mensagens visual, em que é possível ver na tela quem deixou um recado, ouvir as mensagens na seqüência preferida ou apagá-las. Esse foi um dos grandes pontos de discórdia entre a Apple e a AT&T e o aprimoramento do aparelho levou meses de desenvolvimento. A chegada do novo iPhone na Itália, portanto, será emblemática para o restante do mundo.’

 

TELES
Carta Capital

Só falta beatificar Dantas, 25/4

‘Talvez ainda chegue o dia em que um prócer do Partido dos Trabalhadores proponha a inauguração de um busto do banqueiro Daniel Dantas em alguma praça importante do País. Não seria surpresa. Em nome dos ‘interesses nacionais’, que costuma justificar as maiores barbáries e falcatruas, o governo Lula prossegue incólume no propósito de patrocinar a compra da Brasil Telecom (BrT) pela Oi. É possível apontar muitos ganhadores nesta operação. Além de Dantas, os principais acionistas da Oi, Carlos Jereissati e Sérgio Andrade. Quanto aos interesses nacionais e os consumidores, restam dúvidas sobre quais vantagens levariam nesta.

Até a noite da quinta-feira 24, estavam praticamente acertados os termos do acordo e a assinatura do negócio, que depende ainda de mudanças na Lei Geral de Telecomunicações (a legislação não permite a união de empresas concorrentes), deve sair antes de abril acabar.

No fim, os fundos de pensão e o Citibank, principais acionistas da BrT, aceitaram cessar todas as disputas judiciais que moviam contra o Opportunity de Dantas. Ao longo dos últimos anos, as fundações e o Citi reuniram provas suficientes para ingressar com ações diversas contra o banqueiro. A BrT cobra na Justiça brasileira. Seiscentos milhões de reais por danos administrativos e má gestão. Nos Estados Unidos, o Citi pede, no mínimo, 300 milhões de dólares por motivos semelhantes.

O acordo, ressalte-se, não interrompe processos na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) nem o caso Kroll, em andamento na 5ª Vara Federal de São Paulo, onde Dantas é acusado de comandar uma quadrilha de espionagem armada para bisbilhotar a vida de desafetos e concorrentes do Opportunity. Não cessam, mas, principalmente o que tramita na CVM, ficam bastante enfraquecidos.

O mais surpreendente é que Dantas não só não terá de desembolsar nenhum tostão pelo fim das pendências judiciais, como ainda receberá uma boa quantia por conta do acerto. Os acionistas da Oi aceitaram pagar 200 milhões de reais à BrT e 150 milhões de reais ao Opportunity pelo acordo de paz, conforme noticiou a revista eletrônica Teletime News. Uma assembléia de acionistas da Brasil Telecom ainda precisa aprovar a proposta.

Ninguém deve se iludir quanto à natureza dessa negociata. Ela não é simplesmente um acerto entre agentes privados em busca de eficiência e rentabilidade em seus negócios. Quem moveu a roda da fortuna nesse caso foi o BNDES, por ordens do Palácio do Planalto. O banco estatal vai financiar uma boa parte da criação da ‘supertele’, como vem sendo chamada a empresa resultante da união da Oi com a BrT. Deduz-se, portanto, que a parcela a ser paga a Dantas será deduzida da quantia repassada a juros camaradas por uma instituição oficial. Como o governo tem relacionado todo e qualquer projeto federal à idéia do Programa de Aceleração do Crescimento, nada mais justo que chamar essa triangulação de PAC do Dantas. Fica a pergunta: quem assumirá a paternidade ou a maternidade do pacote?

O governo Lula está, assim, prestes a repetir o modelo equivocado dos tempos de Fernando Henrique Cardoso. No período que precedeu o vexame do apagão, o BNDES desembolsou 21 bilhões de reais para o setor elétrico. Desse total, apenas 7 bilhões foram injetados em projetos de expansão da oferta de energia, tão necessários naquele momento. O resultado, catastrófico, todo mundo viu em 2001.

Agora estamos diante de uma tremenda perspectiva de crescimento sustentado e a demanda por financiamento industrial não pára de crescer. Mesmo assim, o BNDES prefere bancar um processo de fusão de vantagens duvidosas e bastidores nebulosos.

Além do mais, não é que o banco de fomento esteja nadando em dinheiro. Na terça 22, a Câmara dos Deputados teve de aprovar um aporte do Tesouro de 12,5 bilhões de reais ao BNDES para que a demanda por empréstimo seja atendida neste ano. Qualquer cidadão razoavelmente informado poderá listar ao menos uma centena de projetos muito mais prioritários e fundamentais ao desenvolvimento do que a criação da BrOi.

Lula, em sua popularidade inabalável, e seus principais assessores deveriam atentar para um fato grave dessa situação, já mencionado por CartaCapital diversas vezes. Há um claro conflito de interesses que deveria manter o Palácio do Planalto longe dessa negociação: a Oi é sócia do filho do presidente da República, Fábio da Silva, em uma produtora de conteúdo para a tevê.

Nada justifica que qualquer nesga de pudor e de postura republicana seja simplesmente atropelada. Nem supostos ‘interesses nacionais’ nem a aparente certeza de que altos índices de aprovação são uma licença para se praticar qualquer ato.’

 

CINEMA
Mariane Morisawa

Culpa e tragédia, 25/4

‘O Sonho de Cassandra, que estréia na quinta-feira 1º, é o terceiro filme consecutivo rodado na Inglaterra por Woody Allen, um cineasta sempre identificado com Nova York, onde nasceu. Das cenas de Manhattan, de 1979, às histórias do passado de A Era do Rádio, a cidade era tão protagonista de seus filmes quanto as personagens encarnadas por atrizes como Diane Keaton, Mia Farrow e Dianne Wiest. Dessa identificação tão profunda saíram obras-primas como Noivo Neurótico, Noiva Nervosa e Hannah e Suas Irmãs.

Lançando praticamente um longa-metragem por ano, verdadeiro feito para um diretor que permanece independente, Allen começou a dar sinais de cansaço criativo no fim dos anos 90. Filmes como O Escorpião de Jade não faziam jus ao grande cineasta que sempre foi considerado. Mesmo os melhores momentos pareciam embotados e não faziam sombra à obra anterior. Os filmes passaram a ser levados em consideração cada vez mais de forma relativa: em comparação com Celebridades, Trapaceiros é bem bom, ouvia-se.

Ele então resolveu empacotar câmeras e a cadeira de diretor e mudar o cenário para Londres, em Match Point. Encontrou nova musa em Scarlett Johansson, a atriz revelada por Sofia Coppola em Encontros e Desencontros. Se ainda não se comparava aos grandes momentos do passado, o filme mostrava um Allen renovado, aos 70 anos de idade. Menos cômico, é verdade. Mas bem mais consistente, com a história de um homem em busca de ascensão econômica e de certa forma atrapalhado por uma paixão. O filme seguinte, Scoop, não alcançou tanto sucesso, mas o interesse recente do cineasta pela aristocracia inglesa e suas relações com outras classes ainda assim representava fôlego novo.

Em O Sonho de Cassandra, Allen volta-se para a classe trabalhadora, tendo como protagonistas os irmãos Ian (Ewan McGregor) e Terry (Colin Farrell). O primeiro cuida do restaurante simples do pai, mas quer sair de qualquer jeito. Sonha com iates, carros luxuosos e roupas caras. O segundo é mecânico de carros e costuma perder fortunas que não tem no jogo. Paira sobre ambos o sucesso do tio Howard (Tom Wilkinson), um bem-sucedido cirurgião plástico. A trama ganha contornos trágicos quando o tio Howard pede um favor em troca dos anos todos de ajuda financeira aos dois, e coloca em questão até que ponto Ian e Terry estão dispostos a ir para conseguir realizar seus sonhos.

A escalação de Farrell é original, já que seu personagem tenta manter a consciência da dupla, ao contrário da imagem geralmente passada pelo ator. O diretor está interessado na linha ética atravessada por quem decide tomar uma medida extrema como o assassinato (um tema constante de seus últimos filmes). O Sonho de Cassandra vai aquecendo lentamente até o ponto de fervura, como a culpa de Terry. É um bom Woody Allen, que não precisa ser posto ao lado de suas produções mais recentes para ser admirado.’

 

 

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Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

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