Como o Marcelo Rubens Paiva descreveu em sua coluna no “Caderno 2” do Estado de S.Paulo (ver “Biscoito fino prejudica barriga tanquinho“, 10/8), senti também muita tristeza quando soube da noticia da morte da revista Bravo!. Já chorei tantas lágrimas vivas com fechamento dos jornais e revistas que não sobraram muitos fluidos para os novos “redirecionamentos” que de tempos em tempos nos informam os “COMUNICADOS IMPORTANTES”, sempre em caixa alta. Ao mesmo tempo, ainda consigo me inconformar com o fato de que as chamadas revistas de cultura na maioria das vezes não incluam ciência – como se não se precisasse alimentar o cérebro com uma dieta completa.
E nesse mesmo caminho, achei errada a confrontação cérebro-corpo que Marcelo Rubens Paiva faz no seu texto. E coloco o assunto aqui, porque em conversas com jornalistas esse tipo de questionamentos é frequente: dividem nossos leitores entre a turma espiritual e a animal, os dotados de mente versus os que se ocupam do corpo.
Marcelo reclama que a prioridade da Editora Abril seja a saúde. Não se espera que os veículos ganhem dinheiro indo contra a corrente, mas o que me incomodou no seu texto é o desprezo que ele mostra sentir pelos leitores que votam com a assinatura. As críticas, as serem feitas, não podem ter o foco no leitor que, em palavras de Marcelo, “necessita de outro tipo de conhecimento, entrar em forma, ter saúde”.
Ideia confusa
O escritor deixa para outros tentarem compreender por que o cuidado do corpo é um nicho tão dinâmico e lucrativo. E possível que a bipolaridade cérebro-corpo que enxerga Marcelo obedeça ao “nó na cabeça que dá quando fecha uma publicação que assinamos”, e que daqui a uns dias dê lugar a uma análise mais fria e profunda. Penso que teria sido melhor aproveitar o impulso para que os leitores do “Caderno 2”, e os que recomendaram a crônica no Facebook, refletissem melhor sobre a natureza do fenômeno. Oferecer para eles apenas o olhar superficial do torcedor, que interpreta a decisão empresarial em duas cores opostas, opondo no gramado a democracia das ideias ao totalitarismo da longevidade, é, quanto menos, fraco.
Se a principal preocupação das pessoas, no mundo todo e independentemente de classe social, é a saúde; se os assuntos pessoais têm seu espaço garantido na grande mídia; se o interesse dos leitores pela medicina não é mais do que o reflexo de uma mudança econômico-cultural na qual as pessoas se encarregam cada vez mais da própria saúde; talvez o ponto seja outro. Daria uma excelente coluna cultural perguntar-se desde quando o antigo paciente foi substituído pelo consumidor, usuário final da medicina, e como a mídia de massa acompanha essa mudança.
Os jornalistas, em geral, não conhecem seu público. Partem de uma ideia confusa e bem simples que é a de pensar que os leitores são iguais a ele, e desconfiam de todo debate que se oponha às suas crenças. Dizer que é melhor conhecer os próprios impulsos necessidades e desejos de maneira simbólica na arte do que nas batalhas diárias da sua dimensão corpórea, pode se tratar de um erro de interpretação.
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Roxana Tabakman é bióloga e jornalista, autora de A saúde na mídia – Medicina para jornalistas, jornalismo para médicos (Editora Summus, 2013)