Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Cesar Maia


‘O filme ‘Entreatos’, do documentarista João Moreira Salles, deveria estar sendo distribuído normalmente e conforme programado. A suspensão de sua circulação, por decisão de seu diretor, é um ato de censura, mesmo que de autocensura.


A alegação de que os escândalos que vieram depois de maio produziriam uma nova leitura do documentário é inadmissível. Se a equipe de Lula, que o ajudou a chegar ao poder, é a mesma com que governou e governa, o excelente documentário nos mostra sua verdadeira natureza. O autor não é dono da opinião das pessoas e das interpretações que seu trabalho possa produzir. Se ele impede sua exibição nos cinemas, temendo as vaias e os risos, e diz que sua circulação em DVD só virá quando o tempo fizer os fatos atuais serem esquecidos, atua como qualquer censor.


O direito de ver o que foi feito -e já exibido- é de todas as pessoas. De outra forma, estaríamos em uma situação de censura política exatamente igual a tantas outras que aqui e alhures ocorreram. Seria até o caso de exigir na Justiça a suspensão da censura, independentemente da vontade política do cineasta.


Nem quero avançar até o ponto de ter acesso a todo o material produzido, o que certamente seria um prato feito para os que analisam e investigam os fatos ‘mensalônicos’. Mas, aí, sim, é um direito do autor, pois sua obra é o produto da edição que fez. No entanto, uma vez tornada pública, a obra é de todos, que devem ter a liberdade de a ela assistir e de sobre ela opinar.


O filme mostra o papel central -e a autoridade- que Duda Mendonça tinha na campanha. Mostra o fascínio de Lula por ele, repetindo críticas que Duda fazia aos militantes do PT. Se depois soubemos a forma como o marqueteiro foi pago, por meio de conta no exterior, o fato é que isso já estava ocorrendo ou já tinha ocorrido naquele momento. O cineasta, obviamente, nada sabia, o que só aumenta a importância do olho neutro da câmera ao documentar os fatos.


Se alguns políticos, inclusive a senadora futura candidata a presidente, se sentem constrangidos por terem sido dirigidos como extras de auditório e estarem assim e ridiculamente expostos no documentário, o problema é deles, pois os fatos são aqueles.


O documentário mostra de maneira enfática e repetitiva que Dirceu e Palocci eram peças centrais da campanha pela sua proximidade e intimidade com o candidato. É natural que não tivessem a mesma função. Com isso, deve-se concluir que um cumpria um papel político, e o outro, financeiro. E que ser ‘coordenador de programa’ era mais uma fachada para Palocci.


Delúbio inexiste no filme, o que reforça seu papel subordinado e de distribuidor dos recursos que recebia e recebeu depois. Na equipe de frente, além de Duda, Palocci e Dirceu, estavam sempre presentes Gilberto Carvalho, Gushiken, o assessor de imprensa Kotscho e Dulci. Silvio Pereira aparece somente uma vez, durante viagem de jatinho ao Norte, onde está Lulinha.


Uma longa gravação de cerca de 15 minutos com Lula durante essa viagem é um documento importante para conhecer o pensamento dele. Quem não deve gostar é o Vaticano. Lula diz que esteve lá com Lech Walesa, a quem chama de ‘pelegão’, para uma reunião entre sindicalistas e a igreja. Afirma que, de lá, Walesa saiu com 60 milhões, que ele imagina serem de dólares. E, meio triste, diz que não saiu nem com o dinheiro da passagem, o que é quase uma confissão da expectativa que tinha de também levar a sua mala. O então candidato afirma que o movimento Solidariedade era artificial e bancado pelo Vaticano para derrubar o governo polonês. Nesse depoimento livre, ele mostra o papel que cumpre no máximo comando político, eliminando qualquer hipótese de não ter sido, ali ou depois, no governo, o comandante político.


No documentário, o presidente exalta o papel do movimento sindical que criou e ocupou o PT, afirmando que nenhum partido no mundo foi ou é como o PT, que desde o início elegeu sindicalistas como vereadores, prefeitos e, depois, deputados… Fica claro porque Lula, já no governo, manteve essa visão, sobrepondo sua equipe -os líderes sindicais, ele, Delúbio, Silvio, Dulci, Olívio Dutra, Pizzolato, Gushiken etc.- à máquina estatal e à máquina partidária.


Os cochichos ouvidos e assistidos quadro a quadro em DVD de laptop ajudam a entender tramas posteriores e quais eram os mais amigos, dentro e fora da imprensa.


Para entender a razão dos ‘cuidados’ que João Moreira Salles está tendo em relação ao documentário, em uma passagem, Dirceu está cochichando e pergunta de quem é aquela câmera. Informado do que se trata e de que os filmes sairiam dali para um cofre, sendo posteriormente editados e submetidos a análise, Dirceu lembra do filme de Pelotas, quando Lula brincou sobre a sexualidade dos moradores da cidade e que, depois, circulou na internet. Por isso, prefere sair da sala ou desligar a câmera para continuar o cochicho. Isso só aumenta a curiosidade para ter acesso ao ‘copião’. Espero que o documentarista não o tenha destruído e guarde tudo. Aí, sim, para ser visto daqui a 30 anos, como documento de valor histórico.


Cesar Epitácio Maia, 60, economista, é prefeito do Rio de Janeiro pelo PFL.’



Merval Pereira


‘Do mesmo tamanho’, copyright O Globo, 17/11/05


‘O ‘habilidoso’ ministro Antonio Palocci teve uma vitória política ontem em seu depoimento no Senado, que foi também sua derrota. Defendeu a política econômica com firmeza, e contestou pela primeira vez em público as críticas que recebeu da ministra Dilma Rousseff. Porém, ao levar a discussão basicamente para o campo econômico, a oposição manteve a possibilidade de convocá-lo para uma CPI, o que ele pretendia evitar comparecendo espontaneamente à Comissão de Assuntos Econômicos.


Palocci gostaria de ter sido mais argüido sobre as acusações que pesam sobre ele e sua equipe na Prefeitura de Ribeirão Preto, para tentar encerrar a crise política, mas não conseguiu.


O PSDB amanheceu ontem com a disposição de tratar bem o ministro da Fazenda, que na noite anterior havia mantido contato com alguns líderes tucanos negociando um questionamento ‘não agressivo’. Ao contrário, o PFL amanheceu em Brasília pintado para a guerra, com a certeza de que o governo montara um golpe para evitar que Palocci seja convocado por uma CPI. A disposição inicial do PFL era de boicotar a sessão da CAE, mas não teve a solidariedade política do PSDB.


A estratégia de limitar as perguntas da oposição a assuntos econômicos foi um meio-termo que os aliados encontraram e acabou dando certo, mas mostrou que está ficando cada vez mais difícil que PFL e PSDB tenham uma posição comum na campanha presidencial. A intensidade da oposição dos dois partidos está ficando gradativamente mais distante. A cada vez que o presidente Lula se enfraquece diante da crise que o cerca, cresce a vontade do PFL de se colocar como o anti-PT diante do eleitorado.


Talvez por essa decisão da oposição, Palocci não tenha se dedicado tanto à sua defesa na fala inicial, abordando de maneira genérica as acusações de que está sendo alvo. Caiu em contradição ao dizer que não teve participação na tesouraria da campanha de Lula em 2002 para, em seguida, garantir que ela não recebeu dinheiro nem de Cuba, nem de Angola, nem das Farc.


Mais uma vez Palocci teve um cuidado excessivo quando se referiu ao ex-assessor Rogério Buratti, seu principal acusador de ter recolhido dinheiro de caixa dois para o PT na gestão da Prefeitura de Ribeirão Preto. E voltou a acusar o Ministério Público e a Polícia Civil de São Paulo de estarem promovendo ‘uma devassa’ em sua vida por questões políticas. Ficou no ar a impressão de que Palocci teme atacar Buratti.


Não tendo tido o apoio formal do presidente Lula, que, sem o citar, se auto-elogiara pela manhã dizendo que o país nunca passou por uma situação econômica tão exuberante, Palocci teve mais uma vez que enfrentar críticas de seu próprio partido, através do senador Eduardo Suplicy, e recebeu o apoio de partidos da oposição, embora todos tenham ressaltado discordâncias com relação à intensidade ou o ritmo de certas medidas, como a redução da taxa de juros ou o nível do superávit primário.


Ao contrário de Lula, o ministro da Fazenda fez questão de dividir os êxitos da política econômica com governos anteriores, de Sarney, com o fim da conta-movimento do Banco do Brasil, à Lei de Responsabilidade Fiscal do governo Fernando Henrique, e com isso lançou as bases para uma discussão ampliada, dentro do Congresso, de um projeto suprapartidário de esforço fiscal de longo prazo, exatamente o ponto em que foi alvejado pela ministra Dilma Rousseff.


Com as dificuldades que encontra dentro do governo e dentro do PT para manter sua política econômica, Palocci resolveu fazer do limão uma limonada e partiu para conseguir apoio político junto à oposição. Quando se disse disposto a fazer elogios ‘rasgados’ a seu antecessor, o ex-ministro Pedro Malan, que classificou de um homem público da mais alta qualidade, estava entrando em choque com o presidente do PT, Ricardo Berzoini, que fez uma crítica completamente sem sentido ao fato de Malan estar trabalhando em um banco, e está sendo processado por isso.


Sempre que teve oportunidade, o ministro Palocci enfatizou a necessidade de um projeto fiscal de longo prazo – chegou a falar em dez anos, mas se referiu aos ‘próximos três ou quatro governos’, o que daria até mais 16 anos – que parece ser um plano ambicioso e politicamente delicado em um ano eleitoral. O presidente Lula, embora tenha reafirmado em várias ocasiões ultimamente sua decisão de não mudar a política econômica, procurou não criticar a posição da ministra Dilma Rousseff, que já tem se pronunciado em reuniões no Palácio do Planalto a favor de uma inflação um pouco maior, contra um superávit maior.


Palocci ontem rebateu diretamente as críticas, afirmando que ‘não estamos enxugando gelo’ – expressão usada por Dilma. Voltou a garantir que, se aprovado um plano de longo prazo, os juros poderão cair mais rapidamente e a carga tributária ser reduzida. Ao contrário, se os gastos correntes do governo continuarem a crescer como acontece há dez anos, Palocci advertiu: a única solução será aumentar a carga tributária.


O fato relevante de ontem foi que Palocci pôde responder publicamente às críticas da ministra Dilma Rousseff à política econômica, e dar uma espécie de ultimato ao próprio presidente Lula: fica no governo desde que seja para executar essa política econômica, e não outra. E exigiu coesão da equipe de governo. Mas, como também ficou evidente ontem, Palocci já não é tão invulnerável. A crise política continua do mesmo tamanho que tinha antes do depoimento, e a oposição agora ficou na obrigação de convocar o ministro da Fazenda para uma das CPIs que continuarão funcionando até o início do próximo ano.’



Tereza Cruvinel


‘Palocci ganha o round’, copyright O Globo, 17/11/05


‘A oposição fez do ministro Palocci sua bola da vez mas ontem mostrou que não se dispõe a ser responsabilizada por sua desestabilização. E o fez sobretudo ao apontar como problema central do ministro suas divergências com a ministra Dilma Rousseff e a uma suposta indefinição do presidente Lula sobre o ajuste fiscal de longo prazo. Deixando de fazer perguntas sobre as denúncias que atingem o ministro, guardou uma bala no tambor para convocá-lo a depor na CPI dos Bingos. O ataque continua mas este primeiro round, Palocci venceu.


É claro que com suas críticas públicas Dilma agravou a situação de um ministro já ferido por sucessivas denúncias. Mas foram elas, e não as críticas da colega, que o levaram a falar à Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado. Antecipando o depoimento marcado para o dia 22, e tentando trocar a mesa da CPI pela da CAE, Palocci evitou sangrar por mais uma semana e frustrou a oposição. PFL e PSDB reagiram recusando-se a fazer perguntas sobre as denúncias. Mas ao abordar apenas as econômicas, deixou que Palocci nadasse de braçada nas águas que domina. Quem viu em casa a transmissão ao vivo poderá se perguntar por que diabos a oposição evitou falar das denúncias, tendo o próprio Palocci astutamente abordado todas elas na fala inicial. Negou categoricamente que tenha entrado dinheiro de Cuba, das Farc ou de Angola na campanha do presidente Lula e que tenha havido caixinha eleitoral para o PT em sua gestão na Prefeitura de Ribeirão Preto. ‘Eu não estou acima de qualquer suspeita’, disse ao tocar nas denúncias. E criticou, embora com habilidade, o comportamento das autoridades estaduais paulistas nos processos investigativos, ‘com interesses políticos muito claros’. Uma carapuça destinada sobretudo ao secretário de Segurança Pública de São Paulo, Saulo de Abreu, embora não o tenha citado. Tudo deve ser investigado e noticiado mas os ritos jurídicos e os direitos individuais devem ser respeitados, insistiu.


Rebatendo golpes, foi também para o contra-ataque a Dilma, dizendo que ela está errada na questão do ajuste de longo prazo. Esta mensagem foi para dentro do governo, para o PT e pode-se dizer, mesmo para o presidente Lula, já que alguns paloccistas suspeitam de que ele tenha pelo menos liberado a ministra para ir ao duelo.


Ao senador Arthur Virgílio, Palocci lançou com delicadeza um dardo flamejante, ao contestar suas declarações de que existem dois Paloccis, o ministro e o que foi prefeito. Na prefeitura, disse ter tido bons auxiliares e ter se decepcionado com alguns. Os tais que o estão denunciando. Repetiu que não iria atacá-los por compreender o contexto em que fizeram suas declarações. Este já foi um dos poucos pontos criticados na entrevista coletiva com que Palocci rebateu as primeiras denúncias, a indulgência com Buratti, e agora com Poleto também. Já no ministério, ‘não existe República de Ribeirão Preto’. Não se cercou de amigos, mas de pessoas indicadas pela competência e pela experiência. E deu uma lista na qual figuram técnicos de carreiras e alguns egressos do governo passado. Mais tarde Virgílio diria que a atual equipe merece falar na CAE mas que o lugar dos ribeirão-pretanos é na CPI mesmo, onde Palocci também poderá ter que comparecer, para falar do passado.


Uma cortesia do ministro que bem funcionou para agradar a aliados e neutralizar adversários foi o reconhecimento de que os avanços da gestão pública no Brasil vêm de outros governos, num processo de amadurecimento continuado. E aí sobraram reconhecimentos para Sarney, Itamar e Fernando Henrique. Não para Collor.


A convocação à CPI deve ser aprovada na terça-feira, mas com data aberta, para ser marcada quando convier à oposição. Palocci admitiu comparecer, mas se isso acontecer, sua situação já deve ser outra. Ontem, entrou no Senado na defensiva, ouviu louvores e relaxou diante de uma oposição que evitou dar-lhe golpes mortais. Inclusive porque, assim como prefere um Lula ferido a um impeachment, parece preferir um Palocci fraco a outro ministro. Mas este é outro jogo, que não depende só da política, mas também da própria economia. Hugo Chávez agora está querendo nova ajuda de Lula. Desta vez, para mediar seu conflito com o México. Com tantos problemas domésticos, talvez Lula não se disponha.


Um canal


Não existe a hipótese de Palocci sair, disse o presidente Lula num telefonema que trocou com o governador de Minas, Aécio Neves, ainda antes do início do depoimento do ministro. Com o qual ficaria satisfeitíssimo ao final. A conversa com Aécio foi administrativa mas, segundo o governador, falaram sobre a necessidade de desobstruir os canais políticos entre governo e oposição, hoje totalmente bloqueados pela crise.


Quanto a Palocci, Aécio adverte seus companheiros de oposição para os riscos de sua desestabilização.


– As denúncias precisam ser esclarecidas e o ministro dispôs-se ontem a colaborar, inclusive comparecendo à CPI. Agora, sou contra atacá-lo com rojões que podem ser fatais. Amanhã, se vier um ministro desastroso para a economia, seremos co-responsáveis. Lembremo-nos de que, pelo voto de alguns da oposição em Severino Cavalcanti, fomos depois acusados de ter garantido sua eleição.


Quanto ao conflito Dilma-Palocci, Lula não vai desautorizá-la mas deve agora dar demonstrações mais claras de apoio à posição do ministro da Fazenda.’



Dora Kramer


‘Palocci respira, mas não resolve’, copyright O Estado de S. Paulo, 17/11/05


‘O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, saiu-se conforme as expectativas: foi bem na forma e inócuo no conteúdo.


Como o que interessa é a substância, manteve-se aberta não uma brecha, mas uma larga avenida para a convocação do ministro à CPI dos Bingos.


Neste aspecto, configurou-se quase uma inutilidade a presença de Palocci ontem na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Para o governo, que não conseguiu alteração significativa no cenário.


Já a oposição pôde ganhar uma etapa de treinamento para o que parlamentares do PSDB e do PFL chamavam ontem de ‘segundo tempo’, a substituição da etapa dos convites para a fase da convocação.


No geral, o ministro repetiu o desempenho de agosto passado, quando pela primeira vez respondeu longa e diretamente a questionamentos relativos à sua probidade como homem público e, de novo, se sobressaiu pelas boas maneiras.


No afã de mostrar-se humilde, porém, cometeu um deslize. Disse que não está ‘acima de qualquer suspeita’, quando esta deveria ser, em condições normais de ambiência moral, a credencial básica para um ocupante de função de tamanha relevância e responsabilidade.


É possível que Palocci tenha se expressado mal e dito ‘acima de suspeita’ querendo dizer ‘acima da lei’. De qualquer forma, na atual conjuntura o ato nem chegou a soar como falha, foi ouvido com naturalidade.


Mais uma vez o ministro da Fazenda consolidou, a seu favor, o contraponto com o presidente Luiz Inácio da Silva na forma de abordar os problemas e lidar com o discernimento alheio.


Palocci envolve – e por que não dizer, ilude – o interlocutor/espectador não necessariamente por aquilo que é, mas pelo que dá impressão de ser: um homem despido de petulância e cinismo.


Mas, como não são suas habilidades formais que estão em jogo e, diferentemente de três meses atrás, a margem para tergiversações está bastante mais estreita, o ministro não provocou o esperado efeito de ‘virada da mesa’.


Em relação às acusações propriamente ditas, fez por elas um passeio superficial, limitando-se a atribuir todos os seus infortúnios a embates políticos da província transpostos para o plano nacional e, em outras e mais amenas palavras, adotou a mesma tese da perseguição e agressão à lei por parte dos acusadores.


Até o início da noite, pelo menos, Palocci não tinha conseguido cumprir aquilo que, pela ênfase do apelo do senador Aloizio Mercadante – ‘fale sobre as denúncias ministro, responda a todas elas’ – parecia ser a expectativa do governo.


A idéia, é evidente, era enterrar ao menos temporariamente o assunto, e esvaziar argumentos para a convocação de Palocci para a CPI.


Talvez o governo até tivesse alcançado esse objetivo não fosse a premência de o ministro sair do encolhimento e antecipar sua presença no Senado. Pega de surpresa naquilo que, ou interpretou sinceramente ou buscou taticamente transformar numa manobra, a oposição resolveu endurecer e não mais considerar a audiência marcada para o dia 22 como uma oportunidade para Palocci se livrar da convocação.


Bem ou mal, e ainda que sem resultados muito consistentes para o governo, o lance da antecipação da ida de Palocci não deixou de mostrar que o governo e o ministro não estão isolados no Parlamento.


Os senadores de oposição com toda sua experiência não conseguiram criar nenhum fato de impacto de última hora, visto terem sido mesmo surpreendidos, o ministro não foi ouvido no plenário com todo o simbolismo negativo que o quadro encerraria e os oposicionistas não conseguiram fazer os governistas caírem na armadilha de serem eles, com suas perguntas sobre denúncias de corrupção, a posarem de algozes do ministro da Fazenda.


Em compensação, ao cumprir o roteiro estabelecido, os adversários não puderam questionar o ministro em pontos essenciais. Por exemplo, quando Palocci foi enfático sobre a inexistência de dinheiro de Cuba, de Angola ou das Farc na campanha de Lula à Presidência, nada disse e nada lhe foi perguntado sobre o dinheiro de caixa 2 de produção genuinamente nacional.


Memória


Ontem na Comissão de Assuntos Econômicos, os senadores do PMDB Luiz Octávio e Romero Jucá formaram na ala dos defensores da urgência de o ministro da Fazenda esclarecer ‘à Nação’ as denúncias que ligam o nome dele a práticas de corrupção.


Nenhum dos dois, entretanto, até hoje esclareceu de forma convincente à Nação as acusações de desvio de verbas públicas que atingem a ambos. Jucá é alvo de processo por autorização do Supremo Tribunal Federal e Luiz Octávio é investigado com aprovação unânime do Tribunal de Contas da União.


Indicado pelo Senado para uma vaga de ministro do TCU, Luiz Octávio não teve, por causa das acusações que pesam contra ele, condições morais e políticas para assumir.


Ainda assim, os senadores não viram impedimentos maiores em alçá-lo à presidência da Comissão de Assuntos Econômicos, que ontem recepcionou o ministro da Fazenda.’



Marcelo Coelho


‘Palocci e o paradoxo da política nacional’, copyright Folha de S. Paulo, 17/11/2005


‘Tudo fica mais interessante se falarmos de acontecimentos sensacionais, de reversões surpreendentes de expectativa: o ministro Palocci, que estaria prestes a perder seu cargo, sai triunfante da sessão de ontem no Senado.


A oposição se apresenta desarmada na Comissão de Assuntos Econômicos; derrama-se em elogios; houve até quem criticasse o presidente Lula por não apoiar suficientemente o ministro da Fazenda. E, numa situação implausível para quem estava sob fogo cerrado há mais de uma semana, Palocci conseguiu a proeza de tornar tentadora a tese, bastante antipática, de um arrocho fiscal para os próximos dez anos.


O que aconteceu? A oposição ‘amarelou’? Sim e não. Quando o ministro da Fazenda antecipou sua ida ao Congresso, anteriormente prevista para o dia 22, foi uma tentativa de jogar no tudo ou nada. Mais do que para a oposição julgar Palocci, a sessão no Senado serviria para Palocci julgar a oposição. ‘Querem, afinal, que eu saia? Quem se habilita a ser responsável pela minha queda?’


Para PSDB e PFL, a resposta a essa questão não era das mais simples. Uma chance de ferir mortalmente o governo Lula é sempre irrecusável. Mas a derrocada do ministro poderia significar um tiro pela culatra. Os chamados ‘setores responsáveis da sociedade brasileira’, o ‘mercado’, os detentores reais do poder econômico, todos os grupos, afinal, que detestam Lula e simpatizam com a oposição, em sua maioria apóiam a política econômica de Palocci. Desestabilizando o ministro, para atacar o governo, a oposição poderia passar por irresponsável junto às próprias bases sociais.


A saída foi engenhosa. PSDB e PFL preferiram deixar para depois, à medida que prossigam as investigações nas CPIs, seus questionamentos sobre as irregularidades em Ribeirão Preto. No curtíssimo prazo, o ministro da Fazenda sai fortalecido. Mas nada garante que o processo de desgaste se interrompa. A espantosa companhia de que Palocci se cercou quando prefeito -Buratti, Poleto et caterva- sem dúvida permite que prossiga a temporada de escândalos e danos à sua imagem. Não se trata mais de blindá-lo, como se diz, mas apenas de esperar que a situação se desenvolva. Em outras palavras: que o ministro caia, se tiver de cair, sozinho -sem mais empurrões de seus adversários.


Para lembrar a distinção de Maquiavel entre ‘fortuna’ e ‘virtù’, digamos que a atitude de Palocci foi movida pela ‘virtù’: a audácia, a iniciativa política, o poder de convencimento, trouxeram-lhe recompensas na jornada de ontem. À oposição, restou confiar na ‘fortuna’: que o imponderável passar dos dias -e das descobertas policiais- decidam sobre um assunto que, a rigor, não se tem grande convicção de como encaminhar.


Tudo gira em torno de um mesmo paradoxo. Setores conservadores fazem oposição a um governo que, nominalmente de esquerda, corresponde plenamente às suas expectativas. Enquanto isso, setores do próprio governo, ainda de esquerda, combatem um ministro que é o único a manter esse governo de pé. Ou, para resumir: a oposição tem alma governista, enquanto o governo só se sente bem na oposição. Mas esses desajustes se corrigem cedo ou tarde.’



TODA MÍDIA


Nelson de Sá


‘Um favorito’, copyright Folha de S. Paulo, 17/11/2005


‘O mercado gostou. Num título da Folha Online:


– Depoimento repercute bem e Bovespa sobe 0,87%.


Também o dólar, segundo a agência americana Bloomberg:


– Real sobe depois de Palocci defender política econômica.


E o risco-país, num título do Globo Online, ‘fechou estável’.


Foi curioso assistir à reação dos analistas de mercado. Nos despachos da Bloomberg, não faltou nem crítica teatral. Eram todos comentários na linha ‘compostura e habilidade para explicar’, ‘muito convincente’, ‘ótimo orador’, ‘muito bem’.


Na agência britânica Reuters, a explicação de que Palocci é ‘um favorito de Wall Street’.


E também, ao que tudo indica, do ‘Financial Times’, que deu reportagem avaliando que ‘a pressão sobre Mr. Palocci revela o conflito governo-oposição’. O ‘FT’ até ecoou o petista Tião Viana, para quem ‘a oposição manipula a investigação porque descobriu que Mr. Lula da Silva está recuperando sua condição de candidato imbatível’.


O ‘Jornal Nacional’, indeciso, deu uma escalada sem fim:


– O ministro da Fazenda foi depor à Comissão de Assuntos Econômicos, mas não apenas sobre economia. Palocci nega ajuda financeira de Cuba ao PT em 2002, rebate denúncias de corrupção em Ribeirão Preto e diz que é vítima de uma devassa na cidade. Mas oposição afirma que o depoimento é manobra para evitar ida à CPI dos Bingos.


A transmissão ao vivo pela TV aberta não pegou. Abriu com Band, Rede TV!, Cultura; depois só Cultura; depois nem ela.


Restaram os canais fechados de sempre, além dos portais UOL, Globo.com, Terra e iG -cada vez mais atentos às transmissões de televisão.


Nos sites, as manchetes se concentravam nas explicações do ministro da Fazenda.


Folha Online, ‘Palocci nega desvio de verba em Ribeirão Preto’. Globo Online, ‘Palocci nega que PT recebeu ajuda de Cuba, Angola ou das Farc’. Do que foi possível acompanhar, o Terra foi o único a destacar as críticas à polícia e ao Ministério Público paulista, na manchete ‘Palocci ataca investigações’.


O ministro apontou ‘violação dos direitos individuais’.


E os blogs, definitivamente, estão exaustos com a crise. Os três blogueiros que fizeram ‘live blogging’ registravam todos, em algum momento, seu fastio.


Josias de Souza, ‘inquirição vira sessão água com açúcar’. Ricardo Noblat, ‘sessão começa a se esvaziar’. E de Jorge Bastos Moreno, o mais esgotado, ‘tá me dando um sono danado’.


ALGORITMOS


Estreou, após muito suspense, o portal de notícias do Brasil da Google. Como observou o blog de Tiago Dória, o mecanismo de busca ‘ainda tem vários bugs’, mas lá estava ele, ontem, com links para Folha Online, A Tarde Online, Jornal do Commercio Online, os portais etc. etc. Não existe edição, mas ‘tecnologia de agrupamento’:


– Nossa tecnologia examina os dados de cada artigo nas fontes do Google Notícias, incluindo títulos, texto, horário. Depois aplicamos algoritmos de agrupamento para identificar quais podem ser inter-relacionados.


POR ENQUANTO


Como ironizou o site IDG Now, ontem no UOL, ‘EUA e Europa clamam ‘vitória’ sobre gestão da internet’. Até a Agência Brasil andou clamando vitória para, é claro, o Brasil. Mas não é bem assim, ao menos pelos enunciados que aos poucos foram se firmando, pelo mundo.


O site do ‘Financial Times’ chegou a divulgar que os americanos haviam vencido, mas mudou para ‘EUA mantêm controle da web, por enquanto’. ‘Guardian’, ‘Batalha da internet termina em empate’. ‘Le Monde’, ‘Encontro abre com compromisso’. Para o CNET, do ‘New York Times’, ‘EUA obtém détente com a ONU’.


Um lapso


Após Judith Miller, ninguém menos que Bob Woodward.


O ‘Washington Post’ noticiou que o repórter de Watergate se enroscou no caso do vazamento do nome de uma agente da CIA. O ‘NYT’, que tanto apanhou por Miller, passou o dia com a manchete ‘Woodward, do ‘WP’, se desculpa por lapso’.


Nem guerra


O ‘Daily Telegraph’ noticiou que o brasileiro Jean de Menezes foi morto por uma bala ‘dum dum’, ‘banida em guerras por convenção mundial’. Na BBC, o primo de Jean exigiu de novo a queda do chefe de polícia, agora por ‘enganar o público’.’