Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Charlie Brown, um sessentão

A dupla agonia já dura 60 anos. Desde 2 de outubro de 1950, quando foi criado, um menino meio careca, com sorriso encantador e ar melancólico, não consegue atingir dois de seus maiores sonhos. O primeiro é simples, uma brincadeira de criança: Charlie Brown nunca pode chutar a bola de futebol americano porque sua amiga Lucy o boicota na hora H. O segundo é amoroso e envolve uma certa Garotinha Ruiva, uma paixão inalcançável que já mexeu com gerações de marmanjos que leram e continuam lendo as aventuras dos personagens criados pelo americano Charles M. Schulz.

No próximo sábado (2/10), os quadrinhos dos ‘Peanuts’ – i.e., Charlie Brown, Snoopy, Linus, Lucy, Schroeder, Patty Pimentinha, Marcie, Sally, Woodstock etc. – fazem aniversário de 60 anos, com uma série de comemorações pelo mundo. Além dos personagens, o principal homenageado será Schulz, um cartunista que cresceu na pequena cidade de Saint Paul, no Minnesota, e que, aos 27 anos, publicou em sete jornais americanos sua primeira tira protagonizada por Charlie Brown – a primeira de 17.897 tiras publicadas até 13 de fevereiro de 2000, um dia após sua morte.

Depois, por um desejo do artista, ninguém mais esteve autorizado a criar novas histórias dos ‘Peanuts’.

‘O Sparky (apelido de Schulz) fez uma tira por dia durante 50 anos, exceto por algumas semanas entre o Dia de Ação de Graças, no fim de novembro, e o Natal de 1997’ – contou, em entrevista por telefone ao Globo a viúva Jean Schulz, com quem o autor foi casado de 1973 até sua morte. ‘Ele ia para o estúdio às 9h, respondia algumas cartas e depois começava a desenhar. Fazia isso todo dia. Estava sempre observando e ouvindo as conversas das pessoas. Quando escutava algo que considerava divertido, anotava num bloco. Às vezes, Sparky já usava o que anotara no dia seguinte e criava uma tira. Mas, às vezes, ele guardava aquilo por semanas ou meses, até que conseguisse ter uma ideia.’

A Garotinha Ruiva

As tiras de Schulz foram publicadas em 75 países, em 2.600 jornais diferentes. A turma também se tornou um desenho animado de sucesso na TV, foi parar no teatro, no musical You’re a good man, Charlie Brown, e é um dos maiores ícones pop do século 20.

‘Sparky dizia que lidava com os problemas diários das pessoas. Suas histórias tratavam de como você convive com seus irmãos, de como é ser rejeitado pela namorada, de como é perder um jogo de futebol, de como é repetir todos os dias o mesmo caminho para se chegar à escola. E, inserindo humor nessas histórias, oferece-se às pessoas um alívio, um jeito leve de se enxergar seus próprios problemas’ – diz Jean. ‘O Umberto Eco certa vez abriu uma conferência sobre o poder das imagens, dizendo que a linguagem dos personagens do Schulz era tão simples que duraria para sempre.’ Diferentemente do que muita gente pensa, Jean nega que Charlie Brown tenha sido criado à imagem de seu marido.

‘Ele sempre dizia que cada um dos personagens tinha alguma coisa dele. Charlie Brown tinha a insegurança, mas todos tinham alguma relação com Sparky ou com alguém que ele conhecia’ – explica ela. ‘Até a Garotinha Ruiva teve uma inspiração. Foi uma amiga de Sparky, que ele namorou e chegou a pedir em casamento. Mas ele se frustrou porque ela tinha um namorado antigo e preteriu o Sparky. Eu a conheço e ela é uma mulher adorável. Talvez ele tivesse sido feliz com ela. Mas acho que foi melhor para mim do jeito que as coisas se sucederam (risos).’

‘Que puxa!’

As homenagens ao cartunista começam no Charles M. Schulz Museum, em Santa Rosa, na Califórnia. Uma mostra de retratos de Schulz será aberta no dia 1º com imagens de artistas como Doug Fryer, Jack Davis e Hal Lamson. Também haverá eventos em Washington, Hong Kong, Tóquio e Florença, entre outras cidades do mundo.

No Brasil, a editora Cosac Naify vai promover um evento no sábado, na Livraria Saraiva do bairro de Santana, em São Paulo, às 17h, com bolo e atores caracterizados. No mesmo dia, a editora, que já tem em seu catálogo o livro Snoopy extraordinário, lançará Snoopy primeiro de abril, ambos com tiras coloridas. Na sexta, dois cartunistas brasileiros – Guazzelli e Jan Limpens – antecipam as comemorações, publicando tiras em homenagem a Snoopy no blog da Cosac (www.cosacnaify.com.br/blog). Outra editora brasileira com livros dos personagens de Schulz publicados é a gaúcha L&PM, inclusive com os três primeiros volumes da coleção ‘Peanuts completo’, que pretende reunir todas as tiras publicadas por Schulz.

‘Quando Sparky teve que parar de desenhar, ele disse: `Pobre Charlie Brown. Ele nunca vai conseguir chutar a bola de futebol americano´’– lembra Jean. ‘Mas ele também dizia que, se o personagem chutasse a bola ou encontrasse a Garotinha Ruiva, ele não teria mais histórias para desenhar.’

Quanto a isso, certamente Charlie Brown diria uma bem conhecida frase: ‘Que puxa!’