‘Como o senhor analisa a reportagem publicada no ‘New York Times’?
ALBERTO DINES: A reportagem não está à altura do repórter e nem do jornal. Até o Jayson Blair (jornalista demitido do ‘New York Times’ por fraudar reportagens) teria tomado mais cuidado. É um modelo de reportagem sem qualificação. A dimensão dada ao assunto está errada, pois o gosto de Lula pela bebida nunca foi uma preocupação nacional. O presidente nunca escondeu que gosta de birita. Gosta e fala abertamente, o que lhe dá uma conotação popular.
A dimensão dada ao tema foi um erro de reportagem?
DINES: Não. Além disso, há o problema das fontes. O ex-governador Leonel Brizola não tem credibilidade como fonte, sobretudo porque é inimigo do presidente Lula. Além disso, o repórter faz referências ao Cláudio Humberto. Pelo amor de Deus! O jornal americano deveria ter tido mais cuidado. É a vida privada. E, o que é mais grave, a vida privada do presidente de um país.
Como avalia a repercussão do episódio no Brasil?
DINES: A imprensa brasileira também errou no episódio. Da maneira como repercutiu a reportagem do ‘New York Times’, acabou inchando o assunto.’
Rafael Cariello
‘Para entidade, reportagem é correta’, copyright Folha de S. Paulo, 11/05/04
‘O presidente da ONO (sigla em inglês para Organização de Ombudsmen de Notícias), Jeffrey Dvorkin, afirma que a reportagem que foi publicada na edição do ‘New York Times’ de domingo sobre rumores a respeito de suposto problema alcoólico do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é ‘uma história importante, realizada de forma correta’.
O ombudsman declara que o texto é relevante, mesmo sem provar que o suposto exagero no consumo de álcool por Lula afete sua administração.
‘Às vezes, a notícia é sobre o que todos estão falando’, afirma o presidente da ONO.
‘Se, de fato, o presidente tem um problema com bebidas, e isso não é tratado e todos acobertam o fato, pode acabar tendo um efeito sobre sua capacidade de governar. Isso seria um problema também para o jornalismo’, afirma o presidente da entidade.
A organização que Dvorkin preside reúne ombudsmen de todo o mundo, incluindo o responsável por essa função na Folha, Marcelo Beraba.
A seguir, trechos da entrevista que foi concedida ontem por Dvorkin à Folha.
Folha – O governo brasileiro diz que a reportagem do ‘New York Times’ é um exemplo de mau jornalismo. O sr. concorda?
Jeffrey Dvorkin – Acredito que a matéria é OK. Parece haver muitas insinuações sobre o assunto. Se isso não é relatado, de certa forma é pior. Se, de fato, o presidente tem um problema com bebidas, e isso não é tratado e todos acobertam o fato, pode acabar tendo um efeito sobre sua capacidade de governar. Isso seria um problema também para o jornalismo.
Temos vários exemplos, nos EUA, de jornalistas que flertam com líderes políticos e não relatam quando eles têm problemas, quando são pegos dirigindo bêbados etc. Você poderia levar isso longe demais, por outro lado, tirando de alguém que é eleito qualquer direito à privacidade. Mas, nesse caso, acho que é uma história importante, realizada de forma correta.
Folha – O repórter não demonstra que o presidente de fato tem um problema com álcool. No fim das contas, torna-se uma matéria sobre rumores. É correto escrever sobre isso?
Dvorkin – Claro que sim. Às vezes, a notícia é sobre o que todos estão falando. E parece haver exemplos de casos em que o presidente de fato teve dificuldades em público. Tornou-se uma espécie de segredo de polichinelo.
Folha – O sr. acha que a matéria é respeitosa? Ela deveria procurar ser respeitosa?
Dvorkin – Não estou muito preocupado se é respeitosa ou não. Minha experiência é a de que, quando líderes políticos exigem respeito, geralmente isso é usado como uma arma para silenciar os jornalistas.
Folha – Faz alguma diferença o fato, alegado pelo governo, de que supostamente Lula estaria sendo vítima de preconceito, por ser um ex-metalúrgico?
Dvorkin – Não sei. Se há preconceito, é importante que isso faça parte do relato. Não sei se a origem social do presidente Luiz Inácio Lula da Silva influencia os comentários.
Folha – O sr. acredita que faria diferença para o ‘New York Times’ se a história fosse relacionada a um presidente de um país rico?
Dvorkin – Espero que não. O ‘New York Times’ fez várias matérias sobre os casos amorosos do presidente francês François Miterrand ou sobre o alcoolismo de Boris Yeltsin.
Folha – O que o sr. pensa do fato de a imprensa brasileira não ter escrito sobre esse suposto problema de Lula?
Dvorkin – É uma questão importante. Da mesma maneira como a imprensa norte-americana foi acusada após o 11 de Setembro, em outros países, de ser suave demais com o presidente George W. Bush, talvez haja algo disso no Brasil também -uma tendência a procurar não ofender uma figura política poderosa.’
Odair Furtado
‘Deu no ‘New York Times’’, copyright O Globo, 11/05/04
‘O que se passaria se um jornal brasileiro afirmasse que o hábito de beber do presidente Bush pode ter levado à invasão do Iraque? Que seu hábito de beber poderia tê-lo induzido a uma falsa avaliação sobre as informações do potencial bélico daquele país? Que esse erro produziu outros que levam à degradação de sua tropa de ocupação, que viola relações básicas no campo dos direitos humanos? Mais, que o noticiário internacional há pouco tempo atrás teria sugerido que o acidente ocorrido com o presidente americano na Casa Branca poderia ter ocorrido em função de seu conhecido hábito de beber bebida alcoólica acima do esperado? No mínimo um escândalo! Ocorre que o New York Times fez ilações absolutamente descabidas sobre o presidente de nosso país exatamente com essa dimensão.É evidente a má-fé do articulista Larry Rohter. Em primeiro lugar, para transformar em fatos opinião que representa o ressentimento e o destempero, por nós bem conhecido, do presidente do PDT, Leonel Brizola, que não mede o tamanho de seus argumentos para atacar a figura do presidente da República com claro interesse político-eleitoral e pouca referência ética. Depois, porque não há qualquer especulação conhecida, seja nos bastidores, seja na cena pública, que agregue à imagem de nosso presidente a imagem de consumidor de bebida alcoólica. O presidente consome em público bebida alcoólica como consumiram outros de nossos presidentes em todos os tempos. Os brindes fazem parte do cerimonial e, se consultados os arquivos, veremos outros presidentes, como foi o caso de Fernando Henrique, brindando com bebida alcoólica em situações públicas e cerimoniais. Aliás, prática comum no mundo ocidental.Do que fala então este senhor, Larry Rohter, que parece conhecer tão pouco de nossa cultura e de nossos hábitos? Fala de seu preconceito por um presidente do Sul da América Latina que ousou falar de igual para igual com governantes de todo o planeta. Fala de seu preconceito por um presidente que tem forte apelo popular, porque é oriundo de classes populares, porque viveu como vive nosso povo, porque entende o modo de vida da maior parte do povo brasileiro, porque é totalmente identificado com o modo de vida desse povo. Povo que nas urnas, de forma categórica, afirmou que não estava interessado em retórica de elite, em salamaleques dos salões freqüentados por aqueles que dizem representar o povo, mas que o conhece somente através dos dados estatísticos. Povo que recebeu o presidente nas ruas, como há muito não se via em nosso país, manifestação de júbilo popular que representou o reconhecimento fraterno de um igual que os dirige. É isso que não entende o senhor Larry Rohter. Ele não tem a dimensão do popular.Por não ter essa dimensão, não entende quando um dirigente nacional fala a língua de seu próprio povo. Está habituado à distância daqueles que precisam de vãs justificativas para exercer o poder e se escondem atrás das versões. Não compreendem que é possível a retórica popular, formas de expressão das ruas, das pessoas comuns. É para elas que se dirige o discurso do dirigente do país. Elas entendem o que ele fala. Esta é a diferença do discurso empolado dirigido exclusivamente para o pensamento de elite e que despreza a cultura popular.A opinião do jornalista é desqualificada. Está tentando imputar algo que não existe a partir de insinuações ou opiniões não abalizadas, utilizando-se de má-fé para fundamentar seus argumentos estapafúrdios. Lula não é hipócrita, não esconde o seu modo popular de agir porque conhece muito bem esse modo. Sabe que o trabalhador brasileiro o entende quando brinda com um copo de cerveja e não com taça de cristal com vinho importado. O hábito popular de beber cerveja no nosso país não é incentivado pelo comportamento do presidente, é repercutido por ele. Não compreender o gesto é moralismo tacanho.
ODAIR FURTADO é presidente do Conselho Federal de Psicologia Social da PUC-SP e pesquisador-visitante CNPQ do Instituto de Psicologia da UNB’
Tânia Monteiro
‘Lula quer tomar ‘medidas cabíveis’ contra ‘NYT’’, copyright O Estado de S. Paulo, 11/05/04
‘O presidente Luiz Inácio Lula da Silva orientou ontem o Ministério das Relações Exteriores e a Advocacia-Geral da União (AGU) a tomarem as ‘medidas cabíveis’ contra o New York Times. Foi uma reação a reportagem publicada sábado pelo jornal, segundo a qual Lula estaria consumindo bebidas alcoólicas em excesso e, com isso, prejudicando a governabilidade do País.
O porta-voz do Planalto, André Singer, não quis dar mais detalhes, mas o mais provável é que o governo queira apenas manifestar a sua indignação com o Times. A tarefa deve ser repassada ao embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Roberto Abdenur. A área jurídica do governo ponderava, ontem à noite, que seria muito difícil processar o jornal ou o autor do texto, o jornalista Larry Rohter.
Ontem, ao longo de todo o dia, houve reações indignadas à publicação. Por causa da reportagem, pela primeira vez a oposição e o governo se aliaram para defender o presidente Lula. No Senado, a líder do PT, Ideli Salvatti (SC), comandou uma articulação suprapartidária de apoio a Lula, que recebeu respaldo da oposição e do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP).
Sarney considerou a reportagem ‘preconceituosa e inverídica’. E completou: ‘Chega perto da difamação. Eu acho que isso é uma coisa grave, porque não é o presidente da República que está somente em foco. Esse não é um assunto partidário, mas atinge a imagem do próprio País. Eu acredito que os americanos não são tão rigorosos como estão sendo em relação ao Brasil.’
O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, disse que a reportagem do Times ‘não pode ter uma repercussão grande na economia, porque é de grande irresponsabilidade’. Palocci acusou o jornalista de ter sido ‘claramente e ostensivamente leviano, irresponsável’.
O ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, avaliou a reportagem como ‘ofensiva ao povo brasileiro’. ‘Eu quase não acredito que é verdade que um jornal com a responsabilidade do New York Times publique uma matéria ofensiva ao Brasil, à instituição da Presidência e ao presidente Lula, ao cidadão Luiz Inácio Lula da Silva.’
Voto de censura – Hoje, o plenário do Senado tenta aprovar um voto de censura ao jornal. ‘O presidente sabe que não haverá de nossa parte o menor resvalo para baixaria, grosseria e ataque pessoal’, disse o líder do PSDB na Casa, Arthur Virgílio (AM), acrescentando que seu partido não ajudará a arranhar a imagem de Lula. ‘Não vou ceder a vaga de líder da oposição ao jornalista Larry Rohter.’ O governador de São Paulo, o tucano Geraldo Alckmin, também atacou: ‘A matéria é injusta e maldosa.’
Já o senador Geraldo Mesquita (PSB-AC), mais irritado – chamou os militares americanos de ‘cheiradores de cocaína’ -, disse que o jornalista deveria estar ocupado em comentar ‘os atos bárbaros e levianos’ dos soldados americanos no Iraque. ‘Não podemos permitir que uma ofensa dessa ao presidente seja banalizada’, afirmou. ‘É um comentário leviano.’
Na Câmara, os líderes do PT, Arlindo Chinaglia (SP), e do governo, Professor Luizinho (SP), subiram à tribuna para dizer que não é a primeira vez que o jornal americano se vê as voltas com mentiras publicadas. ‘O Times acabou de passar pelo vexame internacional com o jornalista Jason Blair, que inventava matérias’, ressaltou Luizinho. (Colaboraram Cida Fontes, Denise Madueño, Leonencio Nossa, Elizabeth Lopes e Gustavo Porto)’