Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Chuvas no Brasil, jornalismo ausente

Na última semana, mais uma vez fomos informados dos estragos que as chuvas vêm causando no Norte e Nordeste do Brasil, ao mesmo tempo em que o Sul está sofrendo uma das piores secas da história. Em uma época é o Norte, depois o Sul, o Centro ou Sudeste. Pensando friamente, não há notícia alguma, já que todo ano, na época das chuvas nas distintas regiões, assistimos, lemos ou escutamos o mesmo: mortos, casas desabando, leptospirose, estradas destruídas (quando há uma), carros submersos (uma boa oportunidade para a venda de radares submarinos), enfim, o sofrimento humano.

Não vamos lembrar – mesmo que já o esteja fazendo – da falta permanente e constante de obras de infra-estrutura destinadas ao bem-estar das pessoas, algo difícil de acreditar para um país que, dizem, é a décima economia mundial; entretanto, mais parece a antepenúltima.

Aqui gostaria de considerar a tendência na mídia local e internacional que, desde o lançamento do documentário Uma verdade inconveniente, do ex-vice-presidente americano Al Gore, começou a utilizar os conceitos de ‘mudança climática’ ou ‘aquecimento global’ para tentar explicar alguns dos desastres ecológicos locais ou mundiais, mas esquecendo as verdadeiras origens dos desastres, em uma linha de ‘esquecimento global’.

Que dizer quando hoje todos falam das enchentes do Norte e Nordeste, da seca do Sul, mas ‘esquecem’ de colocar como responsável dessas mudanças o próprio ser humano e as políticas que um governo determina com respeito ao meio ambiente? Esquecem de falar que mais de 70% da energia que consumimos no Brasil é de origem hidroelétrica e que para sua geração são inúmeros os impactos ambientais que produz; esquecem de falar das transposições de rios, esquecem de falar que o Brasil é o quarto contribuinte ao aquecimento global, conseqüência do descontrole no desmatamento da Amazônia etc.

A síndrome da terceira pessoa

Esquecem de fazer jornalismo científico, jornalismo ambiental, jornalismo político, predominando mais o ‘jornalismo policial’. Esquecem de lembrar que grande parte do sofrimento é pela falta de Estado federal, estadual e municipal que, no melhor dos casos, aparecem timidamente para comunicar-nos que a chuva é incontrolável, que a seca é imprevisível, que o problema é das pessoas que moram onde não devem.

É melhor falar das conseqüências do ‘aquecimento global’, das ‘mudanças climáticas’ como um responsável distante, como se o homem não fosse responsável pela própria destruição da natureza, apresentando, mais uma vez, a síndrome da terceira pessoa que João Ubaldo Ribeiro também descreve em inúmeras crônicas.

Jornalistas ‘4 por 4’

Líder neste ‘jornalismo policial’ é – mais uma vez – a Rede Globo, que pouca ou nenhuma análise apresenta, mas sim, utiliza o sofrimento e desgraça humanos para apresentar-se como uma empresa ‘socialmente responsável’, organizando campanhas de solidariedade para os ‘irmãos do Norte e Nordeste’. Seria ótimo conhecer quanto a Globo doa, da sua própria receita, para ajudar aos necessitados. Doar o que o povo solidário entrega desinteressadamente é muito simples; é como organizar uma festa onde eu convido os amigos e você paga o banquete.

Talvez uma proposta interessante seja a promessa da Rede Record no sentido de apresentar nesta semana uma série de reportagens considerando as inúmeras variáveis que originam os desastres ecológicos no Brasil.

Falta saber se a Globo realiza o tratamento informativo apresentado por questões políticas ou por desconhecimento, mas tudo parece sinalizar que a razão é a primeira, já que os canais da rede que transmitem por assinatura mostram um tratamento mais sério e profissional. É possível também que o erro seja ter jornalistas ‘4×4’ (‘pau pra toda obra’), esquecendo a importância da especialização em algumas disciplinas do jornalismo – neste caso, o ambiental ou científico.

******

Químico, doutor em Fisiologia pela Universidad de Buenos Aires, Argentina, pós-doutor em Neurociência pela Universidad Complutense de Madrid, Espanha e Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA