Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Cinismo geral contra drogas e armas

O Brasil e o mundo assistem perplexos, pela TV, aos acontecimentos da cidade olímpica do Rio de Janeiro. Há uma guerra declarada na cidade, entre bandidos e suas facções criminosas, com intervenções da polícia. E surgem mortos inocentes, a população carioca vive em pânico. O pior de tudo é presenciar o cinismo das autoridades em suas declarações a respeito dos conflitos. Falo de autoridades municipais, estaduais e federais. Querem acabar com os bandidos, invadir morros, declarar verdadeiro estado de sítio na cidade. Mas não surge uma palavra a respeito das causas de tudo isso.

Não é na brevidade de uma crônica que o assunto pode ser tratado. Mas é possível assinalar alguma coisa. Como morei quinze anos no Rio, convivi de perto com a população carioca. E conheço um pouco sobre o que aconteceu. Estava lá quando Brizola ganhou a eleição para governador. Primeiro, houve uma tentativa de fraude com a participação da TV Globo para se tirar a vitória de Brizola nas urnas. Seria um golpe dos militares e forças reacionárias contra o caudilho dos pampas.

Mas ele venceu e foi uma vitória de Pirro. Foi um forasteiro no governo do Rio, o gaúcho deu carta branca para os bicheiros agirem no Rio. Cresceram tanto que se descuidaram e alguns anos depois uma juíza botou todos na prisão. Julgavam-se impunes para sempre. Outra de Brizola foi que a população do morro não sofreria na mão de polícia. Os bandidos se aproveitaram, fortificaram-se. Brizola construiu Cieps, mas era só fachada. A criançada do morro continuou sem escola e muitos viraram bandidos. A força do governador era tanta entre a bandidagem, que ‘brizola’ passou a ser trouxinha de droga. Legítima homenagem!

A cultura da capital da República

E daí pra frente, governo nenhum soube resolver a questão das favelas no Rio. Se botassem tudo quanto é menino na escola para estudar, aprender e ter esperança no futuro, diminuiriam o número de bandidinhos nas ruas cariocas. Mas é preferível usar armas, matar e eliminar assim o problema social.

Como o Rio foi a capital do país durante anos, ali já estava instalado o mesmo que há em Brasília hoje: a pequena, a diária corrupção. É a cultura da cidade, do poder. Fácil perceber por que lá a polícia atingiu alto índice de corrupção. Morava eu em São Cristóvão, década de 80, e o ponto do bicho que funcionava na região era visitado diariamente pela viatura da polícia para recolher a sua parte. Ao lado da rodoviária, outro ponto de rua, freqüentado pela polícia. Eu vi, quantos e quantos não viam isso, todos os dias, polícia recolher dinheiro em ponto de jogo de bicho?

E nada acontecia. Parecia normal. Normal, também, a polícia agir de forma corrupta. É a cultura da cidade, era a cultura da capital da República. É a mesma cultura de hoje em Brasília, com os corruptos do mensalão e outros escândalos, simplesmente impunes, com até Lula, o presidente da República, tratando de defender em seus discursos, os zés dirceus do PT e a família Sarney, contra quem pesam processos e acusações das mais diversas de corrupção e vantagens com o poder.

É quem compra e sustenta o tráfico

Outro quesito sobre a violência extrema no Rio. Os jornais dos EUA e do mundo divulgam tudo como se o problema fosse só nosso. Eu gostaria de saber se não são os fabricantes de armas dos EUA que patrocinam e sustentam a indústria cinematográfica americana, a mais bem-sucedida do mundo? E o que mais vemos? Filmes e filmes para os domingos quentes da TV Globo, SBT, Record, Bandeirantes e outras, exibindo só violência, tiros e mais tiros. Efeitos especiais tamanhos que tudo explode e o herói aparece sem um arranhão sequer.

E esses filmes são exibidos diariamente para os ‘bandidos’ das favelas, para os traficantes que – como estão armados, e fortemente armados e ignorantes como são – resolvem imitar a ficção e disparam para todo lado. É claro que esses filmes influenciam de alguma forma cabeças mal formadas. Quando algum bandidinho do morro abateu aquele helicóptero no Rio, aposto que se julgou um Rambo da vida real.

Mas o cinismo dos donos de TV é imenso. Querem exibir tudo e qualquer tipo de violência, pois a ordem é faturar. E no noticiário, na voz de algum perdido locutor, criticar a violência. E o que há mesmo no Rio? Guerra do tráfico. Tá bem, quem cheira e quem fuma droga? Ora essa, é a classe alta, é a elite do Brasil e de todo o mundo. É quem compra e sustenta o tráfico.

Não me passem aqui pela redação do meu modesto jornal de bairro para reclamar da violência no Brasil e no mundo. Façam alguma coisa também ou vão se queixar a quem de direito.

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Escritor e jornalista, autor, entre outros, de Um jornal assassinado, a última batalha do Correio da Manhã, em colaboração com Joel Silveira