Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Cobertura da conquista foi uma vergonha

Com exceção de alguns colunistas, a imprensa do eixo Rio-São Paulo ignorou nada menos do que o Campeonato Mundial de Clubes, disputado no Japão, e só tomou conhecimento apenas um dia depois da vitória do Internacional de sobre o Barcelona.

A final foi disputada na manhã de domingo (17/12) e ainda antes das 8h (horário de Brasília) milhões de brasileiros estavam de olhos grudados na televisão. E outros tantos milhões nas TVs do mundo inteiro, vez que o Barcelona é tido hoje como o maior time do planeta.

Desta vez foi Galvão Bueno quem redimiu os colegas, transmitindo o jogo com o seu costumeiro otimismo, deixando claro que, mais do que um time, o Internacional representava o Brasil.

Quem, porém, quis saber pelos jornais algo sobre a semana que antecedeu a grande decisão, teve que recorrer ao diário gaúcho Zero Hora. Era natural que o jornal fosse o mais interessado na cobertura: o Internacional, que se credenciara a disputar a partida por ter vencido a Copa Libertadores de América, é de Porto Alegre. Mas absolutamente estranho é que os grandes jornais ditos nacionais tenham se omitido tanto. Soou como torcida contra: não podendo alterar a realidade, altera-se a versão, fazendo-se de conta que não havia o que estava acontecendo.

Circulação patinando

Não foi a primeira vez e provavelmente não terá sido a última que o absenteísmo diante das coisas do Brasil meridional tenha contaminado de tal forma os grandes matutinos, todos sediados nas duas maiores metrópoles brasileiras.

Enquanto os dois times eram matéria de primeira página em importantes jornais europeus, aqui parecia proibido tocar no assunto. E quando passavam de raspão pelo tema era para elucubrar (o Aurélio não tem este verbo) de quanto seria a goleada que o Internacional levaria do Barcelona…

Na verdade, não é apenas o Brasil meridional que padece de tal procedimento de exclusão. Todas as regiões brasileiras são de algum modo tratadas com desdém por nossos grandes jornais. Alguns de seus editores sofrem de um estranho paroquialismo.

Os prejuízos de tal atitude são óbvios, a começar pela patinação nas tiragens. Sendo o que é para os brasileiros o futebol, a seção a ele dedicada é provavelmente a mais procurada. Mas quem procurou, não achou, e isso durante toda a semana. Como vender jornal sem vender informação alguma?

Ira torcedora

Respeitadas as proporções, disputou-se no Japão uma pequena Copa do Mundo, com representantes de todos os continentes, tanto que o madrilhenho El País falou em ‘mundialito’ e outros jornais de língua espanhola trataram o evento do mesmo modo.

Mas no Brasil, não fosse Zero Hora, com acesso facilitado na internet, os brasileiros teriam ficado sem notícias a semana toda, com exceção de poucas linhas sobre o jogador Alexandre Pato, de quem até agora se disse muito pouco. O menino surgiu como um novo fenômeno, comparado a revelações como Ronaldo e Ronaldinho, mas dele pouco se sabe.

Os ou editores mudam, ou os editores são mudados, pois é de se supor que os donos queiram vender jornais e que leitores e assinantes queiram informações, notícias, análises, fotos etc.

Não há um Boris Casoy para exclamar exasperado que o que houve foi ‘uma vergonha’. Mas foi uma vergonha. É preciso que a imprensa não perca de vista o interesse público, que nem sempre coincide com o de seus diretores de redação, redatores-chefes, editores de seções etc.

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Escritor, doutor em Letras pela USP e professor da Universidade Estácio de Sá, onde dirige o Instituto da Palavra; www.deonisio.com.br