A evidente emoção que acometeu o mundo semana passada, na cobertura do resgate dos 33 mineiros no Chile, devia servir de pano para outras mangas que não só o fato em si. Óbvio que um caso desses – como também o Haiti, o 11 de Setembro, dentre outros – toca fundo no sentimento das pessoas. Sem dúvida. A questão, porém, em se tratando de cobertura jornalística, é que acontecimentos bem mais graves que este estão por todas a partes, mas infelizmente não ganham os noticiários.
A pergunta que faço: não está na hora – na verdade acho que já está bem atrasada – de a mídia em geral começar a colocar na ordem do dia questões que, também como pauta, se a discussão é realmente essa, causam comoção pública, como miséria, mortes por Aids (saúde publica), falta de educação, saneamento básico?
Chega a ser irônico dizer, para ser bem simples, que o resgate dos mineiros seja mais importante do que, por exemplo, conhecer a fundo quem são os rostos e a vidas perdidas na África por conta do Aids. Ou como vivem, ou morrem ou tentam viver, as pessoas que não têm acesso à saúde, à educação, à comida. Ainda: como está a ocupação dos estadunidenses no Iraque, como vivem os iraquianos e até americanos, vítimas das atrocidades do maior assassino e idiota pós-Hitler que já se conheceu até agora, Bush filho. Só para citar alguns mais emblemáticos.
Não é um desabafo
Eu, como jornalista, não diria pasmo, mas me admirei ao saber que mais de 1 bilhão de pessoas de todos os lugares acompanharam o caso do Chile. Tá, discutiremos a empatia, a catarse, a agenda setting etc. e tal, essas coisas que convencionalmente entram nos preceitos da boa pauta. Enfim.
Repito: não é hora para que assuntos como esse mesmo, o do Chile, sejam gancho para que olhemos mais para o nosso lado, para o nosso dia-a-dia, e vejamos o que ocorre de tão ou mais drástico logo ali, na frente da sua casa?
Claro que o factual, sobretudo o que causa agitação pública, sempre vai ser ótimo assunto a ser coberto. Óbvio. Mas é só isso? Não acontece mais nada nesse imenso planeta que mereça um olhar diário e mais apurado, particularizado, sem preconceito, sem dramalhão? Os leitores-ouvintes-telespectadores-internautas, suponho, estão cansados e sobrecarregados de informação sem aprofundamento. Decretou-se a falência das grandes reportagens, do jornalismo de cunho social (não de coluna social) e não oficialesco? Afinal, a quem servem os filhos da pauta? Estranho.
Sempre achei, nessa utopia que espero nunca tenha fim, que somos o que somos para tentar mudar as coisas que vemos. Não sendo assim, devíamos procurar outras coisas para fazer. E que fique claro: isto não é um desabafo. Este eu deixo para quem de fato precisa ser ouvido: aqueles que têm voz, mas parecem ser invisíveis.
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Jornalista, Bagé, RS