Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Colocando ordem na casa

Uma olhada distraída nas primeiras páginas dos jornais de sexta-feira (23/1) pode dar ao leitor a impressão de que o mundo começa a entrar nos trilhos.


Depois de muitas edições nas quais a sensação transmitida ao público era do mais absoluto caos, com o mundo mergulhado, segundo a própria imprensa, na maior crise dos tempos modernos, além de uma guerra em evolução na região mais explosiva do planeta e nenhuma perspectiva de entendimento sobre por onde começar a colocar ordem nas coisas, eis que temos uma sexta-feira em que as notícias formam algum sentido.


Nos Estados Unidos, as primeiras medidas do presidente Barack Obama indicam que foi dada partida a uma ampla reforma. A começar pelo restabelecimento do Estado de Direito, rompido desde 2001 em função da guerra contra o terrorismo: além do fechamento de Guantánamo, a prisão que virou símbolo dos abusos cometidos durante o governo Bush, também foi determinado o fim de todas as salas secretas de tortura mantidas pela CIA em várias partes do mundo.


É e primeira vez que o governo dos Estados Unidos admite que mantinha em outros países instalações de sua agência de inteligência nas quais os direitos democráticos eram suprimidos.


Está oficialmente proibido o uso da tortura e todas as forças do sistema americano de segurança terão que se enquadrar nas leis internacionais. Nada mais do que o básico em termos de civilização, mas já é um bom começo.


Choque de realidade


Na economia, a aprovação pelo Senado americano do futuro secretário do Tesouro vem junto com a confirmação de que o novo governo vai ‘redesenhar a arquitetura’ do sistema financeiro dos Estados Unidos. Paralelamente, a notícia de que a China está revendo seus indicadores traz um toque de realidade ao cenário.


Como os leitores atentos bem lembram, até bem pouco tempo a imprensa vivia anunciando índices estrondosos de crescimento da economia chinesa, apresentando o gigante asiático como exemplo de desenvolvimento econômico que todos deveriam seguir. Com a crise, o governo chinês se vê obrigado a criar um plano de saúde pública e tomar outras medidas de proteção social. O espetacular crescimento econômico escondia perigosas mazelas sociais.


Nada como um choque de realidade para colocar ordem na casa.


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Algo começa a fazer sentido


No Brasil, o grande destaque é a notícia de que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) vai assumir a tarefa de financiar a retomada econômica. Serão 100 bilhões de reais a mais, destinados a estimular projetos privados que garantam a oferta de empregos.


Outro destaque é a informação de que o Ministério da Justiça anunciou o bloqueio de 2 bilhões de dólares em contas bancárias no exterior relacionadas à operação Satiagraha.


Também há espaço para a notícia de que o desmatamento na Amazônia Legal diminuiu 82% entre agosto e dezembro de 2008, em comparação com 2007. Mas isso ainda precisa passar pelo teste de revisões e desmentidos que seprem envolvem o assunto.


O que se pode notar do noticiário econômico de sexta-feira (23) sobre o Brasil é que, diante da resistência do sistema financeiro privado a acelerar a circulação de capital, o governo decidiu transformar o BNDES na principal fonte de investimento produtivo. Além disso, os bancos estatais, como Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, estão sendo forçados a baixar os juros, para mexer no acomodado acerto entre os bancos privados.


Como se sabe, o sistema financeiro do Brasil é forte mas extremamente concentrado, o que reduz a competitividade entre os bancos e deixa o correntista sem alternativas de crédito barato.


Lavagem de dinheiro


O que não está dito nos jornais é que o sistema de crédito está sendo estatizado, pelo menos temporariamente. Mas isso não quer dizer necessariamente que nosso regime econômico esteja mudando. O que acontece é que, se os bancos privados resolveram se tornar mais conservadores, recusando-se a entrar com sua parte no combate à crise, alguém tem que fazer o dinheiro circular.


Sobre o bloqueio das contas vinculadas ao banqueiro Daniel Dantas, o que os jornais estão dizendo é que, se o Judiciário sofre limitações para levar adiante, em tempo aceitável, o julgamento dos envolvidos na Operação Satiagraha, o Ministério da Justiça resolveu tomar uma atitude dentro de suas atribuições executivas.


Os 2 bilhões de dólares bloqueados pertencem, em boa parte, a investidores que haviam confiado nos fundos do Banco Opportunity.


Observe o leitor que 2 bilhões de dólares é 5% de todo o dinheiro que o BNDES está oferecendo para investimentos produtivos em 2009.


Diante dos indícios de que esses valores eram objeto de operações de lavagem de dinheiro, essa notícia também contribui para a sensação de que alguma coisa começa a fazer sentido também por aqui.