Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Colonialismo cultural midiático

Remeti à ombudsman do portal UOL Mara Gama, na quarta-feira (3/6), alguns reparos à cobertura das buscas, no caso do acidente com o AF 447. E deixei, ao final, uma série de alternativas, sobre como interpretarmos esse tratamento tão especial da nossa FAB. A seguir, está o texto do e-mail, que como sempre acontece, não será publicado. Apenas, encaminhado para uma editoria qualquer do portal. Grato.




Cara ombusdsman do UOL:


Sem querer ser chato, por repetitivo – com presença constante por aqui –, a cobertura do acidente aéreo do AF 447, está demais. Tudo que a nossa FAB ja havia usado, passou a ser novidade, com fotos no espaço principal do portal. Exemplos: marine do USA, fazendo manutenção de um Hercules, no Recife. Aviões AWACS sendo preparados na França. Patrulhamento da área, por um certo avião francês, com direito a foto de um militar com binóculos. Este último aparato, caracteriza o supra-sumo do processo. Só faltava aparecer o Dick Vigarista e se inefável cão, com uma vela luneta. Assim não dá! A FAB já havia, logo no início das buscas, deslocado aviões AWACS, instalados sobre EMB 190, disponíveis já há muito tempo. E feito com esse aparato parte das localizações iniciais. Está utilizando Hércules C-130 nas buscas – aeronaves de transporte militar de enorme autonomia. Tudo bem que exista necessidade dos outros governos darem alguma satisfação política aos seus concidadãos. E dar destaque, nos seus respectivos países, para estas medidas. Mas daí repercutir isso aqui, com esse destaque, totalmente fora de hora! Como avaliar isso? Más intenções? Primarismo dos editores? Alinhamentos políticos estranhos, com relação às próximas eleições ? Persistência do colonialismo cultural, onde só o que acontece no exterior ou é iniciativa de estrangeiros é importante?


A cobertura do importantíssimo trabalho da FAB foi meio en passant, sem muito destaque. Quando que a mídia por inteiro (sem conotações político partidárias) vai reconhecer que o Brasil cresceu de importância, em todos os campos da atividade humana, internacionalmente ? Estamos tratando do nosso país e não de interesses subalternos, de uma oposiçãozinha medíocre, que pensa apenas na próxima questíuncula pontual, como bandeira do momento e nunca nas grandezas e problemas do Brasil real? Hoje e sempre, a nossa democracia ainda é frágil porque temos hipertrofias nos poderes – mas também pela absoluta mediocridade histórica das oposições. E nisso a mídia, parte desse processo contraditório, tem um papel muito importante. Está sendo exercito com clarividência?


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Na sexta-feira (5/6), vi o Jornal da Band anunciar por três vezes que o premiê italiano Silvio Berlusconi havia se envolvido em mais um escândalo. A reportagem na verdade continha um escândalo da má cobertura jornalistica, da quebra de privacidade a que as pessoas estão permanentemente sujeitas diante da ação inescrupulosa de paparazzi, que só existem por que jornais como o espanhol [El País] que publicou originalmente a reportagem e a propria Band financiam e divulgam tais atos. O telejornal perdeu ótima oportunidade de divulgar e condenar a atitude do jornal espanhol, e mostrar-se contrário a todo ato de invasão como a de que foi vitima o premiê, tendo convidados nus, dentro da área privada de sua casa, fotografado por invasores. Poderia ter se limitado a noticiar que o premiê está processando o jornal, e dar o bom exemplo recusando-se a publicar as fotos obtidas, em respeito ao direito de privacidade de todas as pessoas e em homenagem ao papel que uma imprensa séria deve ter. (Celso Trancoso Clemente, analista de sistemas, Rio de Janeiro, RJ)


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Vendo o ‘festival’ da imprensa a respeito do trágico acidente de avião da Air France, fico me perguntando (e passo a perguntar): qual o papel da imprensa? Será que é estimular o sadismo, a concorrência ‘ibopeana’, proporcionar um festival de informações sem qualquer sentido objetivo? Informar com ‘precisão’ os exatos metros de altitude, a exata velocidade, o nome , profissão, cargo, filiação, qual a intenção ao pegar o avião etc., etc., bem como entrevistar invasivamente parentes, saber se os presidentes têm alguma coisa para dizer, ou, ainda: quantas horas de voo tinha a aeronave, o piloto e o co-piloto (se eram ou não experientes)?


A repetitividade de falas, num mesmo jornal de TV, de jornalistas espalhados pelo mundo. Os cortes interrompendo entrevistados em função do ‘tempo’ da programação (então, para que foram chamados?). Enfim, gostaria que se fizesse um programa convidando jornalistas e diretores para explicarem as razões do ‘carnaval’ de informações quando ocorre um acidente de aviação. Acredito que esse tipo de jornalismo sensacionalista serve apenas para alimentar espíritos doentes, sádicos de tragédias. Gostaria de saber o que pretendem com essa parafernália de informações. (Nicola Centrone, aposentado, São Paulo, SP)


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Toda que vez que um acidente aéreo acontece, todas as emissoras de rádio, televisão, jornais, revistas vão buscar no fundo do baú acidentes antigos que não têm nada a ver com o que aconteceu. Digo isso porque na segunda-feira (1/6) os canais de televisão comentaram sobre o avião da Air France e foram buscar acidentes no Ceará, na Amazônia etc., etc. Parece que os jornalistas pensam que o povão é tão otário ou débil mental em ficar vendo e ouvindo sobre um acidente e vem com historinhas de outros. Não está na hora de a imprensa falar do acidente e não buscar outros exemplos? Que explore mais detalhes do avião, do clima, e não fique enchendo lingüiça com esse tipo de reportagem. (José Santaniello, aposentado, Osasco, SP)


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Como leitora assídua deste site, peço artigo sobre o blog da Petrobras que, para mim, é uma revolução na relação de uma empresa pública com o cidadão. Achei a iniciativa brilhante: uma empresa criar um blog para desmascarar o trabalho tendencioso dos veículos comunicação na cobertura ‘torta’ de uma CPI político-eleitoral. A Folha de S.Paulo está sendo contestada de maneira humilhante… Há aí uma questão polêmica: estaria a Petrobras violando a liberdade de imprensa, vazando conteúdo de ‘reportagens’ em fase de produção? Esse questionamento tem sido colocado pelos jornais. Acredito que não. Acho que é a imprensa provando do seu próprio veneno. (Andrea Costa, jornalista, Brasília, DF)


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Mensagem enviada à revista Veja:


Sr. Editor,


O Sr. Diogo Mainardi, em artigo publicado na edição de 2116 desta revista, atribui o Renascimento à perseguição dos cristãos pelos turcos otomanos, ocorrida após a queda de Constantinopla, que, segundo ele, ‘obrigou os helenistas bizantinos a se refugiarem na Europa, com seus clássicos gregos e latinos’. Prossegue o articulista ‘O Oriente revitalizou o Ocidente perseguindo-o, atterorizando-a e assassinando-o’. A referência citada para tal afirmativa seria a Wikipédia. Sem querer entrar no mérito de até que ponto é apropriado usar a Wikipédia como referência principal para discorrer sobre história, o texto citado pelo Sr. Diogo Mainardi, se lido com mais atenção, não dá suporte a suas afirmativas, pelas seguintes razões.


1. Em primeiro lugar, o texto cita claramente o século 14 (1301-1400) como a data do início do Renascimento. A queda do Constantinopla para o Império Otomano ocorreu em 1453. Portanto, é improvável que tal evento tenha servido como a principal causa para um processo histórico que já vinha ocorrendo há, no mínimo, 50 anos.


2. O texto, em nenhum momento, cita a queda de Constantinopla como ‘a principal causa do Renascimento’. Na verdade, ela é mencionada entre as terorias citadas para explicar a origem do processo.


3. A Wikipédia menciona explicitamente a assimilação do conhecimento grego e árabe como uma das principais causas do Renascimento (item 2.1 do texto). Segundo a Wikipédia, muitos textos clássicos, esquecidos no Ocidente, foram preservados na biblioteca do mundo islâmico. Ironicamente, a Wikipédia menciona a reconquista da Península Ibérica pelos espanhóis, que também envolveu uma quantidade considerável de violência, como um dos fatores que desencadearam o Renascimento, citando explicitamente a captura de Córdoba, com sua biblioteca do 400000 livros. Ou seja, ao contrário do que ocorre na visão maniqueísta de mundo do Sr. Mainardi, cristão também ‘perseguiram, aterrorizaram e assassinaram’ muçulmanos.


4. Constantinopla sofreu mais com a quarta cruzada, em 1204, do que com a invasão turca. Segundo o historiador Speros Vyronis, o saque de Constantinopla pelos soldados cristãos foi de uma crueldade ‘inacreditável mesmo para os padrões dos antigos vândalos e godos’. A cidade nunca se recuperou totalmente desse desastre. Em contraste, o comportamento dos otomanos foi relativamente civilizado, para os padrões da época. Obviamente houve saques e violência, mas, conforme o historiador bizantino George Sphrantzes, após o terceiro dia decorrido da queda da cidade, o sultão editou uma proclamação garantindo a vida e a liberdade de todos aqueles que abandonassem os seus esconderijos. Ele também declarou a restauração das casas e das propriedades daqueles que tinham fugido da cidade durante o sítio, permitindo o seu retorno sem maiores consequências. Todos esses fatos estão mencionados na Wikipédia, nos capítulos sobre a quarta cruzada e a queda de Constantinopla.


5. O êxodo dos autores gregos para o Ocidente ocorreu a partir de 1204, em consequência da quarta cruzada, ou seja, das violências cometidas por cristãos contra cristão, isso é especificamente mencionado na Wikipédia, no capítulo sobre renascimento.


Sr. Editor, eu não sou especialista em história, mas um autor renomado, articulista da maior revista semanal do país deveria ter um mínimo de cuidado na leitura e análise de suas fontes. O uso de publicações com um determinado viés político ou ideológico me parece até aceitável, já que a neutralidade nessas questões é impossível devido à própria natureza humana. Contudo, a interpretação incorreta das fontes escolhidas me parece inconcebível. (Alexandre José Silva Fenelon, médico, Belo Horizonte, MG)


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Havia adquirido 30 kg de alimentos para doação às vítimas das enchentes no Norte / Nordeste e sabia que o Sesi estava arrecadando donativos mas, quando procurei contatá-los, não estavam mais aceitando doações. Descobri depois que (algumas) agências dos Correios estavam arrecadando donativos; algumas não funcionam aos sábados. Descobri a agência de Nova Veneza, que estava enviando materiais para Maranhão e Piauí. Um porém: o Correio não aceita enviar materiais que não estejam encaixotados… Desisti e, na última sexta-feira, doei os materiais à Comunidade de São Benedito na Vila Costa e Silva, Campinas. Quando das enchentes em Santa Catarina, várias instituições se mobilizaram para atender àqueles que estavam sofrendo, instituições do porte do Ciesp e das Forças Armadas; por que isso não vem ocorrendo para nossos irmãos do Norte e Nordeste? Ou isso apenas não vem sendo noticiado, pois não aumentaria os índices de audiência tão perseguidos pelas empresas de comunicação? Por que tanto espaço nos telejornais para o desastre da Air France? A mídia esqueceu-se da crise nas Coréias? E por que, de uma hora para outra, pouco se fala da gripe Influenza A? O risco de pandemia caiu substancialmente? Por que então era tão presente em todos os noticiários? E o que tem sido feito para nossos irmãos do Norte / Nordeste que estão desabrigados? Estão esquecidos, com fome e frio, isolados? (Edson José Ferreira, engenheiro, Campinas, SP)


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Desculpem meu desabafo… mas como é vazia a nossa mídia. Não importa qual. Escrita, falada etc… Vejam como somos pobres, pobres até de espírito. Precisamos de tragédias para ocupar espaço na nossa mídia ao invés de usá-la em prol do bem comum. Não sabemos ou somos mantidos na ignorância de como fazer uma criança desengasgar (Bom Dia Brasil da rede Globo, terça-feira, 9/6). Em compensação já estamos há quase dez dias com informações inúteis de um acidente aéreo. Inútil porque em nada vai mudar a vida de milhões de pessoas. Lamento pelas perdas das pessoas, mas ficar nos martelando com o mesmo assunto é uma tortura – e tortura nunca mais. Por uma TV mais inteligente, formadora, educadora. Amém! (João Mendes, analista de processos, São Paulo, SP)

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Sociólogo, Curitiba, PR