Anda pela imprensa uma celeuma em torno das PPPs. O programa das Parcerias Público-Privadas, apesar de sua excepcional capacidade para dinamizar a economia interna brasileira – sendo fertilizante do setor de maior capacidade de gerar empregos – é ameaçado. Não de morrer na praia, mas de perder mais um ano num país profundamente carente de obras de infra-estrutura. Isso por ser vítima de neurastenia jornalística e um festival de vaidades e ciúmes políticos-partidários.
Quem, como eu, volta a São Paulo e percorre os novos belos túneis na Avenida Faria Lima trazendo nos ossos o desconforto das quase intransitáveis estradas nordestinas, não pode deixar de se contrariar ao deparar, menos de uma semana de inaugurados os túneis, com manchetes em picuinhas como esta no Estado de S.Paulo: ‘Falta muito mas Prefeitura libera a Rebouças’. O país investe centenas de milhões de reais em vias públicas imprescindíveis na cidade que é a locomotiva brasileira, mas os jornais mais fazem inocular pessimismo nos leitores.
Acompanhar a construção do Aeroporto André Franco Montoro no século passado, aliás, já tinha sido experiência de mesma fórmula: 10 porções de notícias cinzentas para uma porção de reportagens positivas. Mais se noticiou na época as dificuldades de transporte de aeroviários a Guarulhos do que uma nova geração de transporte aéreo antes confinado a Congonhas. Mais se falou na hora a menos de sono que teriam pilotos e comissários para chegar ao terminal do que na possibilidade de vôos internacionais desembarcarem passageiros na cidade.
Falemos de PPPs aproveitando essa aula-mestra da psicologia brasileira que foi o artigo de Gilberto Mello Kujawski, ‘Macunaíma no poder’ (Estado de S.Paulo, 2/9/2004). O autor identifica dois pólos de nossa personalidade: Macunaíma, o personagem do romance de Mario de Andrade, e Policarpo Quaresma, do livro de Lima Barreto. Macunaíma, o herói sem caráter, ‘dominado pelo princípio do prazer, é exclusivamente id, instinto puro. Macunaíma não tem superego, a instancia superior da moralidade e do idealismo’. E logo adiante: ‘Policarpo Quaresma, o personagem quixotesco do romance de Lima Barreto, tipo severo e messiânico, ameaçando reformar o país com mão de ferro’.
Sem muita pressa
O ministro Mantega, ao propor as PPPs, rema contra uma certa maré de desânimo que se apoderou de milhões de pessoas que votaram em Lula baseados no sonho de que ele tinha uma solução mágica para as mazelas brasileiras. Provavelmente não estarei errado em diagnosticar tal frustração relativamente a milhões de funcionários públicos. Eram puro id diante das cabines eleitorais no final de 2002. Pois desde o year after sentem-se com ressaca.
O PT tem boa parte da culpa desse ranço de furor investigativo que difundiu uma versão amarga e amargurada daquilo que o Brasil construiu. O PT foi nos anos 90 insensível à urgência do desmonte do cartório estatal da telefonia, apesar de hoje dar em todas as suas administrações alta prioridade à inclusão digital. Assumindo o poder federal é o governo Lula agora vítima, pois suas iniciativas de excelência, como essa agora das PPPs, são torpedeadas liminarmente. Até o FMI aceita rever critérios (i.e., excluir do conceito de dívida pública e superávit primário investimentos em infra-estrutura), mas o senador Tasso Jereissati, em vez de capitalizar a evidente herança deixada pelos tucanos que é o conceito de concessões, com ciúme em ano de eleições municipais não hesita em tentar frear o andamento das PPPs para que discurse em torno de alguns aspectos particulares.
O senador contratou um economista graduado em Princeton para atacar as PPPs. O Estadão dedicou quase toda uma página da edição de 12 de setembro a entrevistar o economista (Caderno de Economia, pág. B4). Naturalmente ter opinião é direito de todos, mas o repórter Fernando Dantas, em vez de afirmar que as PPPs não têm lá muita pressa, que o governo ‘tem de financiar algumas obras de manutenção marginais, com recursos próprios. Como recapeamento de algumas estradas’, deveria é perguntar a Samuel Pessoa se ele viaja por terra quando visita Tasso Jereissati em Fortaleza.
Voto de confiança
O Brasil tem imprensa livre, Câmara e Senado, inúmeras instituições capazes de zelar pela lisura das privatizações. O Brasil nos últimos anos subiu alguns degraus na escada ética com grande contribuição de prefeituras como a de Luiza Erundina e a de Ilhéus, para citar apenas algumas. Todo o terrorismo com que se alardeou a Operação Cayman nada provou.
Enquanto nação penso que é chegada a hora de devolver Policarpo Quaresma à literatura, nos comportar não como um indivíduo que decide compra de tecnologia de ponta numa mera tabelinha de encontrar a menor quantidade de dinheiros. Já temos instituições capazes de zelar e auditar em bases mais solidárias, menos simplórias do que a Lei 8.666 [de 1993, que estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios].
Vem a propósito lembrar: se a nação tivesse confiado um pouco em Luiz Carlos Mendonça de Barros, então ministro das Comunicações, e dado a ele o voto de confiança para uma melhor combinação entre proposta técnica e econômica, estaríamos hoje em melhores mãos, em mãos de capitalistas com mais fôlego financeiro e know-how, em vez de entregues ao desserviço que é a Telemar sobre seus assinantes, por exemplo. É o que dá comprar tecnologia de ponta com a Lei 8.666.
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Diretor do Instituto Afranio Affonso Ferreira, Salvador