É dever e função da mídia mostrar a realidade dos diversos recantos do planeta e os contrastes, que sempre há. No domingo (31/10), a TV Globo apresentou reportagem no Esporte Espetacular sobre o Limoeiro Futebol, time da terceira divisão do campeonato brasileiro e que tem o mesmo nome do município, no interior do Ceará, a 213 quilômetros de Fortaleza.
O objetivo da matéria foi mostrar as dificuldades de um time sem recursos financeiros e cujos jogadores precisam lavar as próprias roupas e morar em apertados alojamentos. Nada mais real que mostrar aqueles que vivem nos rincões pobre do país e não tiveram oportunidade nesse universo desportivo cheio de glamour, luxo, carrões e mulheres bonitas.
Para contextualizar a vida do time, que disputa as finais da série C, os repórteres mostraram da cidade tão-somente uma imagem típica e estereotipada do sertão semi-árido do Nordeste. De enxada na mão e sob sol escaldante, crianças e mulheres, moradores de casas de barro, lutavam contra a terra seca em favor da própria sobrevivência.
Indagado sobre o que quer ser quando crescer, um garoto de aproximados 12 anos respondeu: ‘Gente!’ É algo que comove qualquer telespectador. E foi essa a intenção. Como sempre, a contemplação da miséria, aliada a imagens fortes e um texto poetizado, faz da matéria mais um retrato fiel do estereótipo de Nordeste.
A realidade de Limoeiro do Norte é outra, que vai além da miséria de seus moradores e da garra e força do seu time de futebol. Ao contrário do que os brasileiros do Sul e Sudeste foram acostumados a pensar, o município, que tem 107 anos e apenas 53 mil habitantes, possui muitas riquezas e um povo que já venceu adversidades da vida. O município tem casas de tijolo, ruas asfaltadas, prédios, hotéis de luxo, bancos, jornal, TV por assinatura e páginas na internet.
(Aliás, o uso da rede mundial de computadores é uma realidade em constante expansão, não limitada à elite local, graças aos cybercafés e às escolas públicas. Limoeiro tem um Centro de Ensino Tecnológico, com equipamentos avançados, faculdades, artistas e desenhistas que trabalham diretamente para a DC Comics e Marvel Comics, empresas americanas produtoras dos desenhos de ficção. O município tem o orgulho de ter uma Academia de Letras e ser importante pólo educacional no Estado. Enfim, é uma cidade.
Bela fotografia
Ao contrário da terra árida e ressequida mostrada na reportagem, o município é atualmente – pasmem! – a principal região fruticultora do Ceará, sendo o maior exportador brasileiro de abacaxi e melão, na expectativa de vender até o final deste ano 60 milhões de dólares (isso mesmo, dólares) em para o exterior. É bem verdade que a utilização mercadológica e por vezes gananciosa da terra não tem permitido riqueza em abundância para todos, mas esse problema não é exclusividade do sertão nordestino.
A miséria existe no sertão semi-árido, não é pouca e não há pretensão de renegá-la. Mas não é a única coisa a se encontrar no interior dos estados nordestinos. A cada contemplação midiática da miséria no Nordeste favorece o mito e o determinismo geográfico de que todo nordestino (do interior, não das capitais e de suas praias) é um povo sofredor, ignorante, e que passa muita fome – só. E essa visão estereotipada é seguida pelos próprios nordestinos das capitais. Imaginem se do Rio de Janeiro a televisão só mostrasse as favelas e as mazelas da exclusão social nelas simbolizadas?
A crítica não é simplesmente a uma reportagem que, por sinal, tratou de enaltecer a perseverança dos atletas do Limoeiro Futebol Clube, mas à cultura de mídia que obedece a um estereótipo e, na busca de audiência fácil, perpetua a miséria do povo brasileiro bem ao estilo do quanto pior melhor, mostrando uma verdade incompleta do que é sertão hoje. Da forma como é apresentada, a miséria não é refletida, mas contemplada.
O importante é o que o texto poetizado da matéria veiculada no Esporte Espetacular cativa, as imagens da sertaneja descalça ao sol escaldante e depois sob o lombo de um jumento dão uma bela fotografia. O telespectador é compelido e convencido a contemplar essa doce e bela miséria. Até quando?
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Repórter, professor do ensino médio e estudante de Ciências Sociais pela Universidade Estadual do Ceará